O CONCEITO DE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NA
PERSPECTIVA CRISTÃ À LUZ DE ARISTÓTELES
Eduardo Willian da
Silva[1]
P. Dilson Passos Júnior[2]
RESUMO
O presente estudo
analisa e apresenta a importância e a influência da encíclica Rerum Novarum a respeito da Justiça
Distributiva. Procurou-se demonstrar as contribuições para melhorias sociais
que viabilizaram a dignidade do operário. Utilizou-se como metodologia a
revisão bibliográfica, por meio da leitura de textos, artigos e livros
concernentes ao tema. Primeiramente, aborda-se um breve conceito aristotélico
de Justiça Distributiva, para situar o leitor e, posteriormente,
discute-se sobre o documento papal mencionado. O objetivo principal é mostrar a
importância dessa carta encíclica, embasada em Aristóteles, que apontou a
necessidade da intervenção do Estado em prol de uma justa distribuição dos bens
universais. Analisando a Justiça Distributiva à luz da Rerum Novarum, verificou-se a importância que esta teve,
influenciando a luta pelos direitos dos menos favorecidos.
Palavras-chaves: Aristóteles.
Justiça Distributiva. Bens Universais.
INTRODUÇÃO
O conceito de Justiça Distributiva de
Aristóteles pode ser estudado a partir de uma perspectiva cristã, reflexão esta
que vem adquirindo forças ao longo dos anos, visto que este ganhou importância
no século XX com o surgimento das encíclicas sociais da Igreja Católica.
Considera-se, aliás, a encíclica Rerum
Novarum, do Papa Leão XIII, como o primeiro documento a retomar a questão
da Justiça Distributiva, objeto deste artigo.
A Justiça Distributiva para Aristóteles é considerada a maior das virtudes.
Ela é perfeita, porque as pessoas que possuem o sentimento de Justiça podem
praticá-la não somente em relação a si mesmas como também em relação ao próximo.
Tal modelo teórico aristotélico, ou seja, o princípio de igualdade proporcional
é incitado no documento papal, que valoriza a importância do Estado no
exercício deste conceito.
Com isso, o que se quer é analisar a importância da Justiça
Distributiva para a dignidade e o bem do homem, buscando discutir a situação daqueles
que são prejudicados por uma distribuição injusta dos bens universais, como
início de grandes iniciativas na luta para entender e combater a desigualdade.
Houve a
preocupação em apresentar brevemente, o pensamento de Aristóteles em relação à
Justiça, como uma Virtude, e, em seguida, abordar a questão da Justiça
Distributiva e sua forma de aplicação. Além disso, discute-se o surgimento
deste conceito na perspectiva cristã, voltando-se, prioritariamente, à reflexão
aos mais necessitados e para a classe dos operários. Por fim, destaca-se as
contribuições adquiridas graças a esta encíclica.
1 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA EM ARISTÓTELES
O
conceito aristotélico de Justiça, a
priori, denomina-se como a maior de todas as Virtudes, pois visa tanto o
bem pessoal (individual), quanto o bem comunitário (Pólis), tanto que, chama-se de justo aquele que tende a produzir e
preservar a felicidade comum. Ademais, é também compreendida a partir de um
“justo meio”, ou seja, consiste na justa medida com que se deve agir e
distribuir os benefícios, as vantagens, os ganhos, os males, e/ou as
desvantagens, permanecendo em uma posição intermediária: nem excesso, nem
falta.
Para Aristóteles, a Justiça é uma “disposição
de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz
agir justamente e a desejar o que é justo” (ARISTÓTELES, 2001, p.94). Isto quer
dizer que tal Justiça do homem provém da virtuosidade na qual ele vive, já que
justo é aquele que cumpre e respeita a lei: “O homem sem lei é injusto e o
cumpridor da lei é justo, evidentemente todos os atos conforme à lei são atos
justos” (ARISTÓTELES, 2001, p.95).
O conceito de Justiça desenvolve-se no
convívio humano, nas relações em que é observada e concebida, sendo considerada
como uma virtude social, preocupando-se com a igualdade e o equilíbrio no
convívio na Pólis. Sobre esse
aspecto, Miguel Reale assim examina:
Tratando
da justiça como uma das virtudes, Aristóteles soube genialmente determinar o
que distingue e especifica a sua proporcionalidade a outrem, ou em outras
palavras, modernas, a nota de sociabilidade.
A justiça é uma virtude que implica sempre algo objetivo, significando uma
proporção entre um homem a outro homem; razão pela qual toda virtude, enquanto
se proporcionem a outrem, é, a esse título, também justiça. (REALE, 1999,
p.549)
Esta
proporção entre “um homem a outro homem”, citado acima, parte do conceito do
justo meio, que é o ponto intermediário entre o iníquo e o equitativo. Assim,
segundo Aristóteles, o justo deve ser ao mesmo tempo intermediário, igual e
relativo (dependendo do mérito de cada pessoa, a distribuição dos bens será
realizada). Temos, então, o justo particular distributivo, portando três
características: a subordinação (entre soberano e o súdito), a
proporcionalidade e a análise dos méritos de cada indivíduo.
A
Justiça Distributiva ocorre quando o soberano tem que distribuir ônus
(encargos, responsabilidades e deveres para manter o bem comum) e bônus
(benefícios e honras) aos súditos, segundo a democracia ateniense. Além de ter
a noção de não beneficiar quem já tem demais e não onerar os que têm
responsabilidades demais.
Aristóteles
imprime na Justiça Distributiva a marca da igualdade, que busca ajustar a
discrepância, dando a cada um conforme lhe é devido, bem como os desiguais para
torná-los iguais. Logo, de acordo com Leonardo Sampaio:
Justiça
distributiva designa um constructo relacionado à maneira como as pessoas
avaliam as distribuições de bens positivos (renda, liberdade, cargos políticos)
ou negativos (punições, sanções, penalidades) na sociedade. Ao fazer
julgamentos distributivos, os indivíduos avaliam, a partir de parâmetros que
determinam qual método distributivo é mais ou menos justo aplicar no contexto
da distribuição, em que medida a distribuição favoreceu ou prejudicou os
envolvidos. (SAMPAIO, 2009, p.2)
Compreende-se,
portanto, que a Justiça Distributiva lutará para que cada indivíduo receba o
que lhe é devido, segundo seus méritos, visando um bem comum para que não haja
disputas ou queixas. Entretanto, a igualdade será também exercida diante das
injustiças, fazendo com que os vícios cometidos sejam distribuídos, segundo a
sua proporção, como num furto, pois necessitará que seja dado sua sentença
mediante à dimensão da causa cometida.
2 UMA PERSPECTIVA CRISTÃ SOBRE A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
Escrita
pelo Papa Leão XIII e publicada em 15 de maio de 1891, a encíclica Rerum Novarum trata das condições das
classes trabalhadoras, discutindo a relação entre o governo, os negócios, o
trabalho e a igreja. A encíclica em questão dá início à Doutrina Social da
Igreja influenciando a criação de um novo ideário social e político, ou seja, a
"Democracia Cristã”, que defende a implantação de uma democracia
baseada nos princípios cristãos.
A
principal intenção para a elaboração do documento foi a necessidade em
estabelecer critérios das relações entre patrões e empregados à luz dos valores
cristãos em busca da Justiça Social. Ao mesmo tempo, criticar a forma com que
estes os exigiam, submetendo-os a longas horas de trabalho, sem remunerá-los
apropriadamente por isto. Eis a defesa ao respeito à dignidade do ser humano e
ao afastamento à exploração deste para a obtenção de lucro, a saber:
Quanto
aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas
respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do Cristão. O trabalho
do corpo, pelo testemunho comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um
objecto de vergonha, honra o homem, porque lhe fornece um nobre meio de
sustentar a sua vida. O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de
vis instrumentos de lucro, e não os estimar senão na proporção do vigor dos
seus braços. (PAPA LEÃO XIII, 1891, p.7)
Além desta exigência sobre os
direitos trabalhistas, tanto da parte do operário quanto do patrão, a encíclica
salientou os deveres pelos quais o Estado deve comprometer-se junto aos
cidadãos, distribuindo os bens de maneira justa, tendo em vista os de classe menos
favorecidas. Em meados do século XIX, eram explorados devido ao grande
crescimento das indústrias, das cidades e das populações urbanas, além das
inúmeras ferrovias. Assim, os trabalhadores submetidos a esta nova ordem,
sofreram muito em busca de melhorias de vida que nunca chegavam, devido ao
salário extremamente baixo. Sobre a relação dos governantes e as
consequências da desigualdade do povo, o Papa Leão XIII defende:
E
por isso que, entre os graves e numerosos deveres dos governantes que querem
prover, como convém, ao público, o principal dever, que domina todos os outros,
consiste em cuidar igualmente de todas as classes de cidadãos, observando
rigorosamente as leis da justiça, chamada distributiva. (PAPA LEÃO XIII, 1891,
p.12)
Primeiramente
tratada por Aristóteles, a Justiça Distributiva é apresentada de maneira que “à
justiça e à injustiça devemos indagar com que espécie de ações se relacionam
elas, que espécie de meio-termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é
o meio-termo” (ARISTÓTELES, 2001, p.94). Com o surgimento da Rerum Novarum, ganha uma nova perspectiva,
impulsionado pelas reflexões que Aristóteles, apresenta e é sensível aos
acontecimentos principais de sua época. Buscou reforçar o pensamento
aristotélico em relação à justa distribuição do bônus, em contrapartida ao
ônus, visando o bem comum, que para ele estava sendo colocado em segundo plano
perante aos que tinham maiores condições e/ou tinham o encargo superior, porque
almejavam somente os próprios interesses e deixavam de agir justamente com os
que lhe prestavam serviços.
Assim, esta
encíclica confronta tais ações, indo ao encontro do pensamento aristotélico
sobre Justiça, agora, porém, em um viés cristão, considerando-a como a primeira
a tratar sobre estas questões, dando um passo inicial para influenciar o que
virá quanto à luta pelos direitos dos menos favorecidos.
3 CONTRIBUIÇÃO DA RERUM NOVARUM DIANTE
DA ABORDAGEM DO TEMA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
A encíclica Rerum Novarum, despertou inquietações -
primeiramente, nos membros da Igreja, e posteriormente, aos demais públicos - a
respeito da estrutura de Justiça desenvolvida em determinados países, assumindo
o papel de defender e promover a dignidade humana, lutando pelos direitos dos
mais necessitados, sem pretensão de pender para alguma forma de partido
político. Exceto, vale ressaltar, ao seu próprio baseado nos princípios
cristãos, firmada na caridade e na justiça.
A partir destas
motivações e percepções da posição que a Igreja precisava assumir, houve um
grande aumento de bispos, padres e leigos. Todos, aliás, em geral, passaram a
trabalhar e dedicar-se, em diversos países, mais à pastoral social, gerando o
grande crescimento de entidades filantrópicas assistencialistas e movimentos
leigos. Tais entidades e movimentos, com ajuda do Estado, conseguiram
desenvolver o objetivo pelo qual foi criado, ou seja: a assistência aos menos
favorecidos. O Documento de Aparecida também reforça esse aspecto:
A
Igreja é advogada da justiça e dos pobres, precisamente ao não identificar-se
com os políticos nem com os interesses de partido. Só sendo independente pode
ensinar os grandes critérios e os valores irrevogáveis, orientar as
consciências oferecer uma opção de vida que vai além do âmbito político. (V
CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO e DO CARIBE, 2007, p.278)
Este novo olhar para a realidade,
fomentada pela Encíclica, buscou salientar e acompanhar os deveres que o Estado
exerce em função do homem, afirmando que o Estado é posterior a ele e que tem o
dever de garantir e preservar a
segurança de todos em relação à propriedade, fazendo com que os bens universais
cheguem também às classes proletárias, por meio de um salário digno. Todos os homens são iguais, além de que “o destino
universal dos bens exige a solidariedade com as gerações presentes e as
futuras. Visto que os recursos são cada vez mais limitados, seu uso deve estar
regulado segundo um princípio de justiça distributiva, respeitando o
desenvolvimento sustentável” (DOCUMENTO DE APARECIDA. 2007, p.69).
Assim,
este conceito de Justiça Distributiva primeiramente interpretada por
Aristóteles e que ganhou uma nova perspectiva com o surgimento da Encíclica,
reforça a importância dos direitos dos trabalhadores e dos patrões, dando a
cada um conforme lhe é devido, ajustando a discrepância que a desigualdade
imprime. Sendo que, a justiça considerada a maior de todas as virtudes, deverá
ser exercida como método de contribuição no auxílio dos operários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após as
reflexões apresentadas sobre o conceito de Justiça Distributiva para
Aristóteles e posteriormente para o pensamento desenvolvido na Encíclica Rerum Novarum, destaca-se a sua
importância e colaboração para uma melhor distribuição dos bens universais, que
em determinadas épocas e países não eram feitas de forma que valorizasse o
trabalho dos operários, exigindo muito e recompensando pouco. Salientou-se o papel do Estado diante dessas
situações de desigualdade, sendo, pois, a principal maneira de ajustar tal
discrepância, valorizando a dignidade e o trabalho.
REFERÊNCIAS
V CONFERÊNCIA
GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO e DO CARIBE. Documento de Aparecida. 2007.
Disponível em << http://www.dhnet.org.br/direitos/cjp/a_pdf/cnbb_2007_documento_de_aparecida.pdf
>>. Acessado em 13/04/2017.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, tradução: Torrieri
Guimarães. São Paulo/ SP. Editora Martin Claret Ltda.
CARMO, Maria
Izabel Mazini do. As condições da classe
operária à época da Revolução Industrial. Disponível em<<
http://www.historia.uff.br/nec/condicoes-da-classe-operaria-epoca-da-revolucao-industrial
>> Acessado em 27/04/2017.
PAPA LEÃO
XIII. Rerum Novarum, 1891.
Disponível em << https://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html
>> Acessado em 11/04/2017.
REALE, Miguel.
Filosofia do direito. 9ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1999.
SAMPAIO,
Leonardo. Justiça distributiva: uma
revisão da literatura psicossocial e desenvolvimentista. Disponível em
<< http://www.scielo.br/pdf/pe/v14n4/v14n4a03>>. Acessado em
15/04/2017.
[1]
Aluno do primeiro ano do Bacharelado em Filosofia do Centro Universitário
Salesiano de São Paulo – UNISAL. E-mail: eduardo.bsp@salesianos.com.br.
[2]
Professor Doutor do curso de Filosofia do Centro Universitário Salesiano de São
Paulo – UNISAL.
Muito Dez!
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