A ÉTICA KANTIANA E O
REGIME TOTALITÁRIO: A PERSPECTIVA DA AÇÃO MORAL FRENTE AO TOTALITARISMO
Eduardo Willian da
Silva[1]
Prof. Dr. José Marcos
Miné Vanzella[2]
RESUMO
O presente estudo
apresenta e analisa a ética kantiana e o regime totalitário, e como se dá a
ação do indivíduo mediante essa perspectiva. Procurou-se demonstrar as
contribuições que Kant faz em detrimento às leis estabelecidas pelo governo,
que viabilizaram a luta em prol da ascensão de um povo, marginalizando todos
aqueles que impediam tal progresso. Utilizou-se como metodologia a revisão
bibliográfica, por meio da leitura de textos, artigos e livros concernentes ao
tema, tais como A Origem do Totalitarismo,
A Condição Humana, além dos livros- A Crítica da Razão Pura e A Crítica da Razão Prática de Kant, bem
como do comentador Miguel Reale. (Primeiramente, aborda-se um breve conceito de
como se desenvolve a ética kantiana- para situar o leitor- sobre o
pensamento do filósofo e, posteriormente, discute-se sobre a atuação dos
indivíduos no contexto de leis e das normas estabelecidos pelo regime totalitário,
para assim tratar de tais condições). O objetivo principal é mostrar a
importância do pensamento kantiano nessa atuação, a qual apontou caminhos de
contraposição ao pensamento totalitário, uma vez que este impõe a forma como o
indivíduo deve agir.
Palavras-chave: Kant, Regime
Totalitário, Ética, Dignidade Humana.
INTRODUÇÃO
O pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant
(1724- 1804) a respeito da ética é, ainda hoje, profundamente estudado, visto
que está presente em muitos filósofos, as noções kantianas de autonomia, ética,
moral, etc. Isto é perceptível, por exemplo, em filósofos como Johann Gottliebe Fichte, Friedrich
Wilhelm Joseph Von Schelling, Arthur Schopenhauer, dentre outros. Considera-se, aliás, o pensamento de
Kant como o primeiro a sintetizar o Racionalismo e o Empirismo presentes no séc.
XVIII. Tudo isso a partir do livro de Kant -intitulado A fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), que segundo os
especialistas é uma das mais importantes obras já escrita sobre a moral. Obra,
aliás, que será abordado neste artigo.
A ética, para Kant, é considerada, como um dever, isto é, aquilo que os homens são
obrigados a seguirem para estabelecer uma lei moral. Isso porque os homens são
seres sociais regidos por deveres, os quais fundamentam a ação moral. Tal
modelo teórico kantiano é tratado nos seus livros e estimula tal importância,
não somente a compreensão desse tema, mas a atuação dele.
Com isso, o que se quer analisar neste artigo é a importância deste
conceito, ou seja: A ação ética do indivíduo, diante de um idealismo[3]
que impõem condições no modo de agir do homem, seja direta ou indiretamente,
sobrepondo, muitas vezes, o bem-estar e a dignidade dos que não seguem ou são
oprimidos por tais ideais. Assim, busca-se discutir a ação de inúmeras pessoas
coagidas pelas propagandas partidárias.
Desta forma, o pensamento de Kant
será apresentado primeira em relação à ética e, em seguida, em relação à
questão da ética e a sua forma de aplicação diante do regime totalitário e
confrontá-lo. Além disso, discute-se a possibilidade de uma distorção da ação
moral como geradora de desvalorização da dignidade humana. Por fim, destacam-se
os caminhos os quais, contrário ao pensamento do governo totalitário, algumas
pessoas tomaram como resposta aos problemas enfrentados.
1 A ÉTICA KANTIANA: UMA INTRODUÇÃO A PARTIR DA FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES
Para
o entendimento do conceito do Imperativo Categórico é necessário entender a
noção de como Kant desenvolve seu pensamento a respeito do conhecimento, ou
seja, como ele pensa a razão e como ele, desenvolve este conceito.
Para
isso, Kant busca conciliar seu pensamento diante de um Racionalismo Cartesiano[4], e
se utiliza deu seu criticismo, como tentativa dessa conciliação. Passa, assim,
a delimitar o conhecimento humano, pois, para ele não se pode tratar da
hipótese como verdade, deve-se sempre buscar fundamentos seguros para a
ciência, ou seja, a experimentação. Desta forma, afirma que a razão humana não
pode limitar-se à experiência, mas deve conceber realidades transcendentais.
Para Roger Scruton, “Kant acreditava que nem o empirista nem o racionalista
podiam prover uma teoria coerente do conhecimento” (SCRUTON, 1981, p.144). No
entanto, deve buscar-se um equilíbrio entre essas duas formas de conhecimento:
O
primeiro, que Sobrepõe a experiência ao entendimento, priva-se dos conceitos
com que poderia descrever a experiência (pois nenhum conceito pode ser derivado
da experiência como mera "abstração"); o segundo, que enfatiza o
entendimento à custa da experiência, priva-se do próprio objeto de
conhecimento. O conhecimento é obtido por meio de uma síntese de conceito e
experiência (SCRUTON, 1981, p.144).
Surge, então, a
teoria dos juízos como resposta à forma de conhecimento que, em Kant, pode ser
apresentada de três formas básicas, a saber: Juízo analítico, juízo sintético e
o juízo analítico a priori,
especificamente. Na primeira, o Juízo analítico, o predicado está sempre
contido no sujeito, será sempre um predicado seguro, lógico e ligado à
matemática. Não é um conhecimento que explicita novos conhecimentos, mas que
busca tirar todas as possibilidades dos acréscimos, mantendo-o tal como é. Na
segunda, com o Juízo Sintético, acrescenta-se algo ao sujeito, que tem mais a
ver com o Empirismo, isto é, com as sensações e as percepções, este pensamento explicita
novos conhecimentos, tirando do próprio corpo extenso aquilo que não se
percebeu. Porém, não é uma forma segura para desenvolver o conhecimento.
Apresenta-se, então, por terceiro, o juízo sintético a priori, tanto na dedução quanto na experiência, como uma forma do
conhecimento conseguir ser reinterpretado, superando a dicotomia entre o Racionalismo
e o Empirismo (KANT, 2001).
Em
Kant, apresenta-se no conhecimento racional, as categorias: material e formal.
A formal não possui parte empírica, é puramente lógica. Entretanto, a material
é estritamente física (objetos matérias, leis que os regem) e ética (leis que
regem a liberdade e o agir humano) e, prioritariamente, empírica. Assim, tem-se
o entendimento da concepção de razão dm Kant que é base do Imperativo Categórico.
Ademais, o filósofo alemão passa a tratar da ação moral do homem, baseando-se
na sua concepção de razão.
A
metafísica que Kant faz, como investigações a determinados objetos do
entendimento, classifica-se em duas metafísicas: natureza e costumes. Quanto ao
costume, busca identificar uma filosofia pura moral abstraindo o caráter
particular e contingente, a fim de estabelecer “princípios apodíticos”, ou
seja, com validade universal, presente também no conhecimento analítico a
priori (KANT, 2001, p. 96). Tem-se, então, a filosofia moral, que, segundo
Kant, deve apoiar-se na parte pura, de forma lógica e racional. Assim, um ato
moral deve ter por base o necessário e o universal, livre de condições
empíricas. De acordo com Kant: “Agir de tal modo que a máxima da nossa ação
possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal” (KANT, 2007,
p. 31).
Para
o filósofo alemão, o dever é tudo aquilo que os homens são obrigados a seguirem
para estabelecer uma lei moral, pois são seres sociais regidos por deveres, os
quais fundamentaram a ação moral (KANT, 2007, p. 74). Quando Kant trata de
dever, aborda as múltiplas formas, a saber: (a) o agir por dever, ou seja, toda
e qualquer tipo de ação fundamentada em uma lei, são ações feitas por dever,
cumpre o dever porque é correto faze-lo. A única motivação é o dever pelo
dever, não mentir porque é um ato errado; (b) o agir conforme o dever. Ações
conforme ao dever, ou seja, cumpre conforme o dever não porque é correto, mas
porque obterá bons resultados, ou por medo das penalidades; (c) o agir
contrário ao dever, transgredindo a lei de forma arbitrária, em outras
palavras, pela liberdade do homem.
De acordo com Reale: “Chama-se
Imperativo porque é uma determinação, uma ordem, e Categórico porque é uma
ideia de dever universalizador” (REALE, 2007, p. 387). É, pois, um dever que as
pessoas têm de agir, baseado em princípios que desejariam que fossem aplicados
universalmente. Somente um ser racional tem a capacidade de agir conforme a
lei, isto é, pelos princípios, mesmo sob influência de suas inclinações, que
segundo Kant: “[...] é fundamental para ele a noção de dever: A razão ordena ao homem que sua ação seja
pensada por dever a ela, e não pautada por suas inclinações” (KANT, 2011, p.
26). A essa norma emprega-se o conceito de ética deontológica, ou seja, a ética
do dever.
Além do Imperativo Categórico, há o
Imperativo Hipotético, também conhecido como Imperativo Condicional, ou seja,
uma ação é boa quando visa um propósito. É, pois, um meio para alcançar um fim.
Assim, ela é condicional, sem se preocupar com a universalidade das ações. São
impulsos para com os quais a origem está ligada às necessidades da própria
existência, como: comer, mover-se, comunicar-se, dentre outros. Trabalha,
então, a relação de causa e efeito, mas só tem valor quando atinge o fim
particular.
Ademais, o Imperativo Categórico
interpretado dentro de um contexto político, bem como o regime totalitário
busca compreender como o indivíduo deve agir, e como esta ação é entendida sob
condições nas quais não favorecem o uso da razão (Boa Vontade), o que, para Kant,
é a base da ética, e, neste caso, deontológico. Assim, o indivíduo coagido a
cumprir uma lei estabelecida por um regime, no qual se utiliza de inúmeros
recursos para difundir seus ideais, age por dever ou ao dever? Entende-se a
ação como “agir ao dever”, pois a ação do indivíduo de fruto de influências
externas.
2 O REGIME TOTALITÁRIO
Após o fim da
Primeira Guerra Mundial[5]
(1914), muitos países como a Alemanha, a Itália, a França, e muitos aliados,
enfraqueceram financeira, econômica e politicamente. Os cidadãos desses países
atingidos pela guerra perderam a esperança nos regimes liberais e também nos
regimes democráticos, fazendo com que muitos aderissem ou à extrema direita ou
à extrema esquerda. Tem-se, então, o surgimento do Regime Totalitário como
tentativa de resposta aos problemas causados pela guerra.
Neste período
houve grande apoio da população, para com esse regime, pois visava a melhoria
da política e da economia dos países que estavam desestruturados, tornando-se
uma “causa popular”. Surge, então, o Totalitarismo, que tinha por
características o culto ao líder, ao partido único, ao militarismo, ao
nacionalismo e ao culto do Estado, ou seja, à concentração de poder na mão de
um único governante. Logo, não houve espaço para a democracia ou para os
direitos individuais, mesmo com os três poderes funcionando, o legislativo, o
executivo e o judiciário, contudo limitados pela ação do governante[6].
Outra grande
característica do partido Totalitário era a propaganda. Para Hannah Arendt, a
propaganda era “[...] um instrumento do totalitarismo, possivelmente o mais
importante, para enfrentar o mundo não-totalitário (ARENDT, 1979, p. 392). Pois, assim, tal regime consegue fazer com
que inúmeras pessoas adiram ao próprio pensamento:
Por
existirem num mundo que não é totalitário, os movimentos totalitários são
forçados a recorrer ao que comumente chamamos de propaganda. Más essa
propaganda é sempre dirigida a um público de fora — sejam as camadas
não-totalitárias da população do próprio país, sejam os países não-totalitários
do exterior (ARENDT, 1979, p. 390).
Dois
grandes Regimes Totalitários, como Fascismo[7] e
o Nazismo[8], desencadearam
uma avalanche de leis e decretos após a ascensão no poder político, tendo
sempre em vista uma reorganização político-econômica. Ou seja, as leis foram
criadas em vista de um bem comum, de um determinado país, no caso da Itália e
da Alemanha. Vê-se, então, a possibilidade do comprimento da lei como normativa
de conduta ética. Segundo Arendt:
[...] para os nazistas
o Estado total não deve reconhecer qualquer diferença entre a lei e a ética,
porque, quando se presume que a lei em vigor é idêntica à ética comum que emana
da consciência de todos, então não há mais necessidade de decretos públicos”
(ARENDT, 1979, p. 452).
Voltando
a Kant, vê-se ele refutar a doutrina do absolutismo moral, que sustenta a
existência de normas absolutas de conduta que resultam em comportamentos
“certos” e “errados”, qualquer que seja o contexto. A resposta ao absolutismo
moral é o emprego do Imperativo Categórico, uma regra segundo o qual o homem
deveria agir eticamente, cuja ação, ao mesmo tempo, o indivíduo possa desejar
que se torne uma lei universal.
O
Imperativo Categórico kantiano, aqui exercido dentro do partido totalitário, ordena
ao homem que sua ação seja pensada por dever a ela, e não pautada por suas
inclinações (cf. KANT, 2007, p. 56). Entretanto, é necessário que o indivíduo
pense racionalmente nas suas ações e, no regime totalitário, diante da
propaganda realizado pelo mesmo regime, que acaba por “alienar” os cidadãos,
tirando-lhes a possibilidade de realizar a lei objetiva. Ou seja, esta que não
dá a possibilidade de ser aplicada a todos, agindo pela lei e não pela
conformidade da lei. A máxima é o querer subjetivo, o praticar a lei tendo a
possibilidade de ser aplicada a todos. Assim, agir por dever é a junção desta
máxima subjetiva com a ação por dever. Sobre esse aspecto Reale afirma:
Para
Kant não basta que uma ação seja feita segundo a lei, ou seja, em conformidade
com a lei. Neste caso, a ação poderia ser simplesmente "legal" (feita
em conformidade com a lei) e não "moral". Para ser moral, a vontade
que está na base da ação, deve ser determinada "imediatamente" só
pela lei. Se faço caridade aos pobres por puro dever, faço uma ação moral; se a
faço por compaixão (que é um sentimento estranho ao dever) ou para me mostrar
generoso (o que é mera vaidade), faço uma ação simplesmente legal ou até
hipócrita. Está claro que, como ser sensível, o homem não pode prescindir dos
sentimentos e das emoções. Mas, quando eles irrompem na ação moral, só podem
macula-la: e são perigosos até quando impelem no sentido indicado pelo
"dever", precisamente porque há o risco de fazerem a ação cair do
plano moral para o plano puramente legal (REALE, 2007, p. 385).
Logo,
diante dos estabelecimentos das leis do regime totalitário, é necessário, para
Kant, que o sujeito aja por dever, racionalmente, pois toda e qualquer tipo de
ação fundamentada em uma lei, bem como matar e roubar são ações feitas ao dever.
A pressão externa e as propagandas, as necessidades financeiras do país, o medo,
de entre outros problemas, influenciavam as ações dos cidadãos, apesar de que
se verifica nos Regimes Totalitários rígidos o cumprimento dos deveres
estabelecidos pelas leis. Para Heinrich Himmler “a minha honra é a minha
lealdade”[9],
mas de forma que não leve em conta a Boa Vontade. Assim,
em detrimento ao pensamento kantiano, percebe-se uma deturpação no que se
refere ao agir ético, pois, a lealdade à lei, não garante um agir moral:
Distinguem-se
dos outros partidos e movimentos pela exigência de lealdade total, irrestrita,
incondicional e inalterável de cada membro individual. Essa exigência é feita
pelos líderes dos movimentos totalitários mesmo antes de tomarem o poder e
decorre da alegação, já contida em sua ideologia, de que a organização
abrangerá, no devido tempo, toda a raça humana (AREDNT, 1979, p.373).
Assim, parece que no Regime
totalitário as ações realizadas, como entregar aos “cuidados dos Estado” os
próprios filhos, parentes e amigos, no caso do nazismo, por serem judeus, é uma
ação exercida ao dever e não pelo dever, pois as leis estabelecidas pelo
governo, a ponto de não haver necessidade de decretos públicos, os cidadãos
tinham pela consciência do usa da ação (ARENDT, 1979, p. 428). Isso visava a
contribuição do “bem comum”, neste caso a reestruturação do país, fundando na
inclinação, Imperativo Hipotético, no qual Kant não vê como uma ação puramente
ética.
Porém, gera uma problemática, uma
vez que o cumprimento da lei ao dever e não pelo dever, passa a anular
dignidade das pessoas, torna-se, um agir antiético, na qual visa somente tal
cumprimento, independentemente das consequências que possam emergir, bem como a
morte de inúmeras pessoas. Assim, exercer a lei era uma possibilidade de não
valorização da pessoa em si. Porém, apenas o cumprimento das leis que importava.
3 A AÇÃO ANTIÉTICA COMO POSSIBILIDADE DE
EXCLUSÃO DO INDIVÍDUO
O holocausto da
Segunda Guerra Mundial, foi o assassinato em massa, premeditado, de milhões de
pessoas inocentes, incentivado por uma ideologia racista capaz de influenciar
as ações de inúmeras pessoas que aderiram a este pensamento. O principal alvo de extermino em prol da
purificação germânica foram os judeus. Considerados como uma religião
irrelevante, os judeus eram considerados como “vermes parasitas” (Enciclopédia
do Holocausto) que deveriam ser eliminados. Assim, deram origem ao genocídio em
uma escala sem igual, aproximadamente, seis milhões de judeus. Na interpretação
kantiana, as inúmeras pessoas que participaram deste massacre agiam ao dever,
seguindo as suas inclinações. Entretanto era um agir perfeitamente ético, para
o partido, mas profundamente imoral no pensar kantiano.
Quero
por amor humano conceder que ainda a maior parte das nossas acções são
conformes ao dever; mas se examinarmos mais de perto as suas aspirações e
esforços, toparemos por toda a parte o querido Eu que sempre sobressai, e é
nele, e não no severo mandamento do dever que muitas vezes exigiria a
auto-renúncia, que a sua intenção se apoia (KANT, 2007, p.42).
No pensamento
de Kant, a ética subjetiva ignora a responsabilidade social, pois o indivíduo
está voltado apenas para si mesmo (cf. KANT, 2007, p.99), ou seja, os
interesses pessoais, aqui se tratando de um regime político, leva a
desconsiderar qualquer filosofia, qualquer religião, ou qualquer pensamento que
seja contrário aos próprios. Assim, nada deve esperar da inclinação dos homens,
e tudo do poder supremo da lei e do respeito que lhe é devido, ou então, em
caso contrário, condenar o homem ao desprezo de si mesmo e à execração íntima
(Kant, 2007). Com base no pensamento kantiano, é nítido perceber que mesmo
aqueles que julgavam agir conforme as leis, ou seja, cumprindo o dever de cidadão
alemão, agia influenciado pela propaganda, tirando muitas vezes a capacidade de
escolha por si só, pois o pensamento já estava enraizado, ou até mesmo moldado segundo as
inclinações de outrem.
Diante
de tantas ações, no primeiro momento considerado ético, há enorme
desvalorização dos cidadãos considerados impuros. Com a propaganda fortemente
aplicada se desvalorizou os negros, os idosos, os judeus e os deficientes
mentais que “manchavam a pureza ariana”, estes viviam em guetos, para serem
isolados dos demais. Tirando-lhes o que era mais precioso, o direito de ser
cidadão. Sobre isso, Arendt comenta:
“O homem pode perder todos os chamados Direitos do Homem sem perder a sua
qualidade essencial de homem, sua dignidade humana. Só a perda da própria
comunidade é que o expulsa da humanidade” (ARENDT, 1979, p. 317). Assim, afirma-se que a “ética”
proposta pelo partido Totalitário, confrontada com base no pensamento kantiano,
excluía todos aqueles que maculavam a honra ariana. Assim, faziam tudo quando
podiam para salvaguardar este ideal. Hitler coagido por sua própria inclinação,
e os seguidores, os nazistas, pela do governante, e as demais pessoas pela
influência da propaganda.
O
que as ideologias totalitárias visam, portanto, não é a transformação do mundo
exterior ou a transmutação revolucionária da sociedade, mas a transformação da
própria natureza humana. Os campos de concentração constituem os laboratórios
onde mudanças na natureza humana são testadas, e, portanto, a infâmia não
atinge apenas os presos e aqueles que os administram segundo critérios
estritamente "científicos"; atinge a todos os homens (ARENDT, 1949, p
509).
Entretanto,
surgiram pessoas como Oskar
Schindler[10],
Nicholas Winston[11],
Raoul Wallenberg[12],
entre outros, que agiram conforme
o Imperativo Categórico kantiano, ou seja, as ações eram realizadas tendo a
pessoa humana como fim e não como meio, contrapondo o que alguns faziam
mediante a coação do Regime Totalitário, considerando, muitas vezes, suas ações
como antiéticas, pois contrariavam o ideal partidário. Assim, tem-se uma
inversão da compreensão de ética, segundo o pensamento de Kant, pois aqueles
que agiam segundo o pensamento acreditavam estarem tendo uma ação correta e
ética. Todavia, aqueles que em prol do bem-estar do outro, não agiam conforme o
governo eram denominados antiéticos, correndo o risco de serem punidos e até
mesmo mortos. Ou seja, para Arendt: “o respeito à dignidade humana
implica o reconhecimento de todos os homens ou de todas as nações como
entidades, como construtores de mundos ou co-autores de um mundo comum”
(ARENDT, 1979, p. 509).
Em suma, a ética kantiana confronta
o idealismo totalitário uma vez que este descarta a ação moral da pessoa. Neste
sistema, a boa vontade -condição indispensável para uma ação moral, ou seja, o
que irá mover a ação-, pois influencia os autores das ações, tirando-lhes o
caráter de valor próprio, pois não é governada pela razão (cf. KANT, 2007, p.
35). Assim, tem-se ações pautadas por inclinações e esta é capaz de
desconsiderar tudo aquilo que não esteja conforme a vontade própria, colocando,
muitas vezes, o ser humano como objeto e não finalidade das ações, pois quando
age de acordo com desejos, emoções e inclinações, está, simplesmente,
respondendo às necessidades físicas, da mesma forma que os animais (LUNARDI,
2001). Portanto, o agir moral deve ser sempre livre de inclinações e pautada na
Boa Vontade.
CONCLUSÃO
Após as reflexões apresentadas
sobre o conceito de ética para Kant, e, posteriormente, como ele se desenvolve
e questiona perante o idealismo de um partido Totalitário, destaca-se a sua
importância e a sua colaboração para uma melhor compreensão das ações
realizadas pelos líderes partidários e daqueles que seguiam este pensamento.
Salientou-se
que o ser racional nunca poderá ser meio para alcançar fins pessoais ou
coletivos e também que ações realizadas por inclinações próprias, ou
influenciadas externamente, tira o valor moral do ato, fazendo-o ser considerado
como ações ao dever. Ou seja, com benefícios próprios, sendo capaz de realizar
qualquer tipo de ato, bem como de matar, expulsar, mentir, entre outros, em
prol de si mesmo.
Assim,
como afirma Kant, a
moralidade é a relação das ações com a autonomia da vontade, ou seja, sem
pressões internas, inclinações, e externas, como as propagandas faziam com os
cidadãos alemãs, influenciando-os em suas ações. Para isso é necessário que o
sujeito da ação vise sempre como fim o ser humano e não o utilizar como meio. O
antissemitismo (não apenas o ódio aos judeus), o imperialismo (não apenas a
conquista) e o totalitarismo (não apenas a ditadura) — um após o outro, um mais
brutalmente que o outro — demonstraram que a dignidade humana precisava de nova
garantia, somente encontrável em novos princípios políticos, cuja vigência
desta vez alcance toda a humanidade, como salienta Arendt.
REFERÊNCIAS
ARENDT,
Hannah. A Condição Humana. 3.ª ed.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
______. Origens do Totalitarismo. 5.ª ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 1979.
GARCIA,
Cláudio Boeira. Compromisso com o mundo.
Revista Philósophos. v. 11, n. 1, p. 49-69, jan./jun. 2006. Disponível em: <<
http://www.revistas.ufg.br/index.php/philosophos/article/view/3705/346 >>
Acessado em: 26 de abril de 2018.
KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 1ªed.
Trad. Edições. 2007.
______. Crítica da Razão Prática. Tradução de Rodolfo
Schaefer. – 3.ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.
______. Crítica da Razão Pura Trad. Manuela dos
Santos e Alexandre Morujão. – 5ª ed. São Paulo: Fundação Calouste Gulbenkian,
2001.
LUNARDI,
Giovani Mendonça, A fundamentação moral
dos direitos humanos. Revista Katálysis. vol.14, n.2, pp. 201-209, 2011.
REALE, Miguel.
Filosofia do direito. 9.ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1999.
SCRUTON, Roger.
Introdução à Filosofia Moderna - De Descartes a Wittgenstein. 1.ª ed. Rio
de Janeiro: Zahar Editores S.A, 1981.
United States Holocaust Memorial Museum. Enciclopédia do Holocausto.
Disponível em: <<
https://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10007961 >> Acessado
em: 26 de abril de 2018.
[1] Aluno do primeiro ano do Bacharelado em
Filosofia do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL. E-mail: eduardo.bsp@salesianos.com.br.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3351873445280250.
[2] Professor Doutor do curso de Filosofia
do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL. E-mail: enimine@gmail.com.
[3] Idealismo partidário é uma teoria
filosófica em que o mundo material, objetivo, exterior só pode ser compreendido
plenamente a partir de sua verdade espiritual, mental ou objetiva. É, também,
uma propensão a idealizar a realidade ou a deixar-se guiar mais por ideais do
que por considerações práticas. (Dicionário de Filosofia).
[4] O racionalismo cartesiano é
um pensamento estabelecido por Descartes em suas obras o “Discurso do Método”
(1637) e “Meditações Metafísicas” (1641), onde expressa sua preocupação com o
problema do conhecimento. O ponto de partida é a busca de uma verdade primeira
que não possa ser posta em dúvida (Dicionário de Filosofia)
[5] Chamado “Período entre Guerras”, entre
a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
[6] Enciclopédia do Holocausto.
[7] Surge na Itália como uma milícia dos
“camisas pretas” em 1919, afim de lutar pela economia, por emprego e outros
direitos. Porém, apenas em 1922, no qual realiza-se a “Marcha sobre Roma”,
mostra-se o poder do partido. Após isso, Mussoline é eleito como primeiro
ministro (GARCIA, 2018).
[8]
Surge com Hitler, mas a na primeira tentativa é marcada pela frustração, e ele
é preso. Somente em 1929, Hitler consegue chegar ao poder. A chegada dos nazistas ao poder colocou fim à
República de Weimar, uma democracia parlamentar estabelecida na Alemanha após a
Primeira Guerra Mundial. Com a nomeação de Adolf Hitler como chanceler, em 30
de janeiro de 1933, a Alemanha nazista (também chamada de Terceiro Reich)
rapidamente tornou-se um regime no qual os alemães não possuíam direitos
básicos garantidos. Após um incêndio suspeito no Reichstag, o
parlamento alemão, em 28 de fevereiro de 1933, o governo criou um decreto que
suspendia os direitos civis constitucionais e declarou estado de emergência,
durante o qual os decretos governamentais podiam ser executados sem aprovação
parlamentar (Enciclopédia do Holocausto).
[9] Formulado pelo próprio Himmler, é difícil de traduzir. Em
alemão, Meine Ehre heisst Treue
indica uma devoção e uma obediência absoluta, que transcendem o significado da
mera disciplina ou fidelidade pessoal. Nazi
conspiracy, cujas traduções de documentos alemães e da literatura nazista
são uma fonte indispensável de material, mas que, infelizmente, são muito
irregulares, traduz a senha da SS como "Minha honra significa
fidelidade" (V, 346).
[10] Schindler comprou de judeus destituídos uma indústria de
utensílios esmaltados e a reinaugurou com o nome de Emalia. Nela, passou a
empregar judeus, fornecendo moradia e segurança, mantendo-os longe dos
nazistas. Diversas vezes, interviu pessoalmente para proteger os funcionários.
Mesmo quem trabalhava em outros lugares começou a se abrigar na Emalia.
(Enciclopédia do Holocausto).
[11] Winston foi
para Praga, República Tcheca em 1939 a convite de um amigo que trabalhava na
embaixada britânica e ficou chocado com a violência que os seguidores do
judaísmo sofriam por lá. Passou a escrever, por conta própria, para vários
países em busca de um refúgio para crianças de famílias perseguidas. Quando a
Inglaterra e a Suécia aceitaram colaborar, ele organizou toda a viagem,
levantando fundos, encontrando famílias adotivas e cuidando da parte
burocrática. (Enciclopédia do Holocausto).
[12]Wallenberg atuou como secretário da missão sueca em Budapeste
durante seis meses em 1944. Montou uma equipe de 400 funcionários (mais da
metade, judeus) para emitir milhares de passaportes para que eles escapassem
para outros países. Além disso, instalou hospitais, berçários e cozinhas coletivas
para essa população. E com um "código secreto": todos esses prédios
eram pintados de amarelo para que judeus os identificassem. (Enciclopédia do
Holocausto).
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