JUSTIÇA DISTRIBUTIVA EM
TOMÁS DE AQUINO: A ATUAÇÃO ECLESIAL DIANTE DAS CAUSAS SOCIAIS
Eduardo Willian da
Silva[1]
P. Jefferson da Silva[2]
RESUMO
O presente estudo apresenta
e analisa a importância e a influência da Igreja frente à Justiça Distributiva
discutida por Tomás de Aquino. Procurou-se demonstrar as contribuições para
melhorias sociais que viabilizaram a luta contra o individualismo. Utilizou-se
como metodologia a revisão bibliográfica, por meio da leitura de textos,
artigos e livros concernentes ao tema, tais como as Encíclicas Rerum Novarum, Gaudium et Spes, Evangelii Gaudium, além do Documento de
Aparecida e o comentador Miguel Reale. Primeiramente, aborda-se um breve conceito
tomista de Justiça Distributiva, para situar o leitor, sobre o pensamento
do Filósofo abordado e, posteriormente, discute-se sobre a atuação da Igreja
referente a este tema. O objetivo principal é mostrar a importância dessa atuação,
embasada em Santo Tomás, que apontou a necessidade da intervenção da Igreja e
dos cristãos em prol de uma justa distribuição dos bens universais.
Palavras-chaves: Tomás
de Aquino. Justiça Distributiva. Individualismo.
INTRODUÇÃO
O conceito de Justiça Distributiva de Santo
Tomás de Aquino pode ser estudado a partir de uma perspectiva cristã, reflexão
esta que vem adquirindo forças ao longo dos anos, visto que aquele ganhou importância
no século XX com o surgimento das encíclicas sociais da Igreja Católica.
Considera-se, aliás, a encíclica Rerum
Novarum, do Papa Leão XIII, como o primeiro documento a retomar a questão
da Justiça Distributiva, que foi abordada, frente a outras encíclicas sociais
apresentadas neste artigo.
A Justiça Distributiva, para Santo Tomás, é considerada um hábito operativo da
alma e também a maior das virtudes. As pessoas que possuem tal hábito de Justiça
podem praticá-la não somente em relação a si mesmas, como também em relação ao
próximo. Tal modelo teórico tomasiano, ou seja, o princípio de igualdade
proporcional é incitado nos documentos papais e estimulam a importância, não
somente do Estado, mas dos cristãos no exercício deste conceito.
Com isso, o que se quer é analisar a importância da Justiça
Distributiva para a dignidade e o bem do homem, buscando discutir a situação
daqueles que são prejudicados por uma distribuição injusta dos bens universais,
causados pela injustiça.
Houve a
preocupação em apresentar, brevemente, o pensamento de Santo Tomás em relação à
Justiça, como uma Virtude, e, em seguida, abordar a questão da Justiça
Distributiva e sua forma de aplicação. Além disso, discute-se o surgimento desse
conceito na perspectiva cristã, voltando-se, prioritariamente, à reflexão aos
mais necessitados e para a luta contra o individualismo. Por fim, destacam-se
os caminhos os quais a Igreja oferece como resposta para os problemas
enfrentados pela injustiça.
1 JUSTIÇA DISTRIBUTIVA EM TOMÁS DE
AQUINO
O conceito de
Justiça para Santo Tomás, a priori,
salienta-a como um hábito operativo da alma, que se adquire livremente durante
a vida, “uma qualidade que aperfeiçoa as potências dos atos realizados por
vontade própria. Assim, faz com que os atos humanos sejam bons.” (MONTICELLI,
2013). Este entendimento é de que a justiça torna retas as operações humanas e,
evidentemente, boas, visando não somente ao próprio interesse, mas ao bem
comum.
Por meio da
justiça, o bem a outrem pode ser feito, “pois, sendo toda virtude um hábitus que é princípio de atos bons, cumpre
definir a virtude por um ato bom, tendo por objeto a matéria mesma da virtude.”
(AQUINO, 2005, p. 56). A Justiça é uma virtude, um ato bom, voluntário e,
segundo o Tomás, estável, hábito que quando passa pela vontade e, juntamente,
com a constância, tais atos vão sendo perpetuados. Essa definição de justiça é
apropriada se for bem compreendida, como uma maneira de realizar atitudes boas.
Através
da justiça, os atos humanos são retificados, ou seja, reparados segundo as suas
necessidades. “A justiça ratifica as ações humanas, tornando-as boas. É, pois,
por causa da justiça que os homens são denominados bons.” (AQUINO, 2005, p.60).
A justiça ordena o homem nos seus atos para com o próximo através de duas
maneiras: considerando o homem individualmente (particular) e em comunidade
(geral). Se a justiça, pois, ordena o homem ao bem comum, deve ser considerada
uma virtude geral, e todos os atos das outras virtudes encontram-se sob sua
ordem.
[...]
as ações do homem referente aos outros necessitam de uma especial retificação,
não só enquanto são retas da parte de quem as realiza [...]. E por isso é
necessária uma virtude especial para tais ações relativas aos outros, como é a
justiça. (AQUINO, 2005, p. 53).
Para Tomás de
Aquino, é próprio do ato de justiça dar a cada um o que lhe pertence. Numa
proporção de equidade, deve-se dar a cada pessoa o que lhe pertence, de acordo
com o que lhe é devido. Ademais, Miguel Reale afirma que a justiça é uma
virtude que implica sempre algo objetivo, significando uma proporção entre um
homem e outro homem, razão pela qual toda virtude, enquanto se proporcionem a
outrem, é, a esse título, também justiça. Ou seja, é justo dar a um indivíduo
particular o que lhe pertence numa relação de equidade, favorecendo o bem a
outrem. (REALE, 1999).
[...]
a justiça legal ordena suficientemente o homem em tudo aquilo que se refira ao
bem de outrem; ainda que a faça imediatamente em relação ao bem comum, e imediatamente
em relação ao bem particular. E, portanto, convém que exista uma virtude
particular de justiça que ordene o homem ao bem de outrem como indivíduo
particular. (AQUINO, 2005, p.65).
Dessa
forma, a Justiça particular, aqui se tratando de distributiva, tem como escopo
o bem comum, que se desenvolve no convívio humano, nas relações em que é
observada e concebida, sendo considerada como uma virtude social,
preocupando-se com a igualdade e o equilíbrio no convívio. Ademais, Santo Tomás
afirma que o bem comum, ou seja, a justa distribuição, tem precedência sobre o
bem particular de uma pessoa, pois, sendo a justiça o bem voltado
preferencialmente a outro, visa ao bem comum ao invés do bem próprio.
2 SOBRE A IGREJA NO MUNDO ATUAL FRENTE À
JUSTIÇA
Escrita
pelo Papa Leão XIII e publicada em 15 de maio de 1891, a encíclica Rerum Novarum trata das condições das
classes trabalhadoras, discutindo a relação entre o governo, os negócios, o
trabalho e a igreja. A encíclica em questão dá início à Doutrina Social da
Igreja influenciando a criação de um novo ideário social e político, ou seja, a
"Democracia Cristã”, que defende a implantação de uma democracia baseada
nos princípios cristãos.
Desde
seu surgimento a Igreja passou a
confrontar, lutar e defender os problemas enfrentados pela classe mais
necessitada da sociedade, de modo mais pertinente, carregando consigo o dever
de investigar, a todo o momento, os sinais dos tempos, e interpretá-lo à luz do
Evangelho para que assim pudesse responder, de modo adequado, a suas angústias.
É,
por isso, necessária a compreensão da realidade na qual se vive hoje, ou seja,
uma humanidade findada em desejos individuais, sobre os seus modos de pensar e
agir, tanto em relação às coisas como às pessoas, a ponto de se constatar uma
verdadeira transformação social e cultural. Assim, guiada pelo Evangelho e pelo
amor ao homem, a Igreja escuta o clamor pela justiça e deseja responder com
todas as suas forças, como atesta Papa Francisco na Encíclica Evangelii Gaudium.
Diante
de uma situação marcada pelos individualismos econômico, social, político e
religioso, vê-se a importância da dimensão comunitária que privilegia o bem de
todos, tendo em vista que o ser humano é social, que a família é a primeira
comunidade humana, que a vida humana está voltada à comunidade, buscando o bem
comum. Nessa comunidade econômico-social, os bens servem a todos, uma vez que
uma sociedade política respeita os direitos de todos e busca o bem comum, com
colaboração e justiça.
Nunca o género humano teve ao seu dispor tão grande abundância de
riquezas, possibilidades e poderio económico; e, no entanto, uma imensa parte
dos habitantes da terra é atormentada pela fome e pela miséria, e inúmeros são
ainda os analfabetos. Nunca os homens tiveram um tão vivo sentido da liberdade
como hoje, em que surgem novas formas de servidão social e psicológica. (PAULO
VI, 1965).
A
justiça, sendo uma das principais virtudes morais, que consiste em retificar as
ações humanas, exteriores, que dizem respeito aos outros, é o caminho pelo qual
a Igreja busca percorrer firmemente, no intuito de firmar o bem comum
sustentado por este hábito operativo da alma, que busca não somente o bem
individual, mas o bem coletivo.
A
Encíclica Gaudium et Spes busca reivindicar,
insistentemente, aqueles bens que se julgam privados por injustiça ou por
desigual distribuição, salvaguardando a necessidade de que cada indivíduo
possui, pois, a ordem
social e o seu progresso devem reverter sempre em bem das pessoas, já que a ordem
das coisas deve estar subordinada à ordem das pessoas e não ao contrário.
(PAULO VI, 1965), ou seja, os bens universais devem ser utilizados em prol dos
outros e não se utilizar dos outros para obter bens.
Entretanto, hoje, percebe-se um
movimento contrário frente ao pensamento do Papa Paulo VI, porque o progresso
social que deveria reverter sempre em bem das pessoas reverte-se somente ao bem
particular, ou seja, daqueles que de certa forma já detenham grande parte do
poder econômico e político, excluindo os que realmente necessitam que a justa
distribuição seja feita para obterem mínimas condições de vida. Isto fere o bem
comum e também a Justiça, descrita por Santo Tomás, e, consequentemente,
aderida pela Igreja, porque não visa a todos, mas ao individual, favorecendo
sempre mais o individualismo exacerbado, não se importando com quanto cada um
tenha ou não tenha. É o que constata o Papa Francisco, afirmando que o grande risco do mundo atual é a tristeza
individualista, que brota do coração mesquinho.
3
A IGREJA E O INDIVIDUALISMO
Um
dos trabalhos que a Igreja continua a promover é o de despertar inquietações -
primeiramente, nos seus membros, e, posteriormente, aos demais públicos - a
respeito da estrutura de Justiça desenvolvida em determinados países, assumindo
o papel de defender e promover a dignidade humana, lutando pelos direitos dos
mais necessitados, frente ao mundo marcado pelo individualismo, no qual a busca
pelos próprios interesses afeta o princípio de equidade apresentado e defendido
por Santo Tomás.
A
justiça está sempre relacionada a outrem, por isso torna-a Virtude que abrange
todas as outras. O mundo atual converge-se sempre mais para o individualismo
que é um dos problemas da esfera social que a igreja busca solucionar. Para tal
solução, primeiramente, defende a vida voltada à comunidade, ou seja, para o
bem de todos, que em primeiro lugar é a família e depois o ambiente em que se
vive, como uma forma de buscar solucionar o problema do individualismo.
Quando há uma visão egocêntrica, também
por parte de muitos cristãos, a justiça corre o risco de ser mero “objeto” de
uso. Caso os indivíduos que disfrutam de grande parte dos benefícios
dispensados pelo Estado, sofram algum mal, mesmo que em seu conceito, o
individualismo não seja um mal para com o outro, pois aqueles que entendem o
valor de cada indivíduo (aqui se tratando dos cristãos) permanecem apáticos
diante das situações individualistas de injustiça.
Outra
tentativa da Igreja para despertar inquietações frente à injustiça é o
Documento de Aparecida, no qual defende que:
O
destino universal dos bens exige a solidariedade com as gerações presentes e as
futuras. Visto que os recursos são cada vez mais limitados, seu uso deve estar
regulado segundo um princípio de justiça distributiva, respeitando o
desenvolvimento sustentável (DOCUMENTO DE APARECIDA. 2007, p.69).
Este
conceito de Justiça Distributiva defendida por Santo Tomás e que ganhou mais
vigor com as Encíclicas reforça
a importância dos direitos dos indivíduos, porém, tem em vista o bem comum, dá
a cada um o que lhe é devido, ajusta a discrepância que a desigualdade e o
individualismo imprimem.
Esta
palavra, “solidariedade”, é frequentemente esquecida ou silenciada, porque é
incômoda. “Solidariedade”... quase parece um palavrão! Eu queria lançar um
apelo a todos os que possuem mais recursos, às autoridades públicas e a todas
as pessoas de boa vontade comprometidas com a justiça social: não se cansem de
trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário! Ninguém pode permanecer
insensível às desigualdades que ainda existem no mundo! Que cada um, na medida
de suas possibilidades e responsabilidades, saiba dar sua contribuição para
acabar com tantas injustiças sociais! A cultura do egoísmo, do individualismo,
aquela que frequentemente regula nossa sociedade, não é a que constrói e conduz
a um mundo mais habitável, mas, sim, a cultura da solidariedade (FRANCISCO,
2017, p. 9).
A solidariedade é um caminho vasto, pelo qual a
Igreja, juntamente com seus membros, pode trilhar no anseio de transformar, ou
melhor, dar passos em busca de transformações, frente a uma injusta
distribuição causada também pelo individualismo. Pela fidelidade à voz da
consciência, os cristãos estão unidos aos demais homens, no dever de buscar a
verdade e de nela resolver tantos problemas morais que surgem na vida
individual e social. (PAULO VI, 1965).
CONCLUSÃO
Salientou-se o papel da Igreja e dos
cristãos diante dessas situações de desigualdade, sendo, pois, a principal
maneira de ajustar tal discrepância, valorizando a dignidade humana e o bem
comum. Como solução para tal problema, apresentou-se a solidariedade como
geradora da justiça, como afirma o atual Papa, Francisco: ser solidário é uma
reação espontânea de quem reconhece a função social da propriedade e o destino
universal dos bens como realidades anteriores à propriedade privada. Assim, o
papel fundamental da Igreja na luta contra a injustiça, causada pelo
individualismo, é o de fomentar a solidariedade para que todos possam
experimentar a comunhão fraterna com os outros, partilhando os bens segundo a
equidade.
REFERÊNCIAS
V CONFERÊNCIA
GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO e DO CARIBE. Documento de Aparecida. Disponível em:
< http://www.dhnet.org.br/direitos/cjp/a_pdf/cnbb_2007_documento_de_aparecida.pdf
>. Acesso em 17 out. 2017.
AQUINO, Tomás. Suma teológica. Trad.
Carlo- Josaphat de Oliveira et al. São Paulo: Loyola, 2005. V.6.
CONCÍLIO VATICANO II. 1962-1965. Gaudium et Spes: mensagens, discursos,
documentos. Tradução de Francisco Catão. São Paulo: Paulinas.
FRANCISCO: Evangelii Gaudium. Disponível
em: <https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html>.
Acesso em: 20 set. 2017.
FRANCISCO,
O amor é contagioso: o Evangelho da
justiça. Org. Anna Maria Foli. – 1ª ed. – São Paulo: Fontanar, 2017.
MONTICELLI,
Pedro: justiça em Santo Tomás de Aquino. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Mtsfpm-HCco>.
Acesso em: 01 set. 2017.
REALE, Miguel.
Filosofia do direito. 9. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999.
[1]
Aluno do primeiro ano do Bacharelado em Filosofia do Centro Universitário
Salesiano de São Paulo – UNISAL. E-mail: eduardo.bsp@salesianos.com.br.
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3351873445280250.
[2]
Professor Doutor do curso de Filosofia do Centro Universitário Salesiano de São
Paulo – UNISAL.
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