ANÁLISE
DO PERFIL DE SÓCRATES EM TRÊS OBRAS:
A DEFESA DE SÓCRATES – PLATÃO.
A DEFESA DE SÓCRATES – PLATÃO.
A
APOLOGIA DE SÓCRATES – XENOFONTES
AS
NUVENS – ARISTÓFANES
INTRODUÇÃO
Poucas vezes na história apareceram homens com tamanha
determinação, virtude e caráter como Sócrates. De fato, até hoje, é dele um dos
grandes discursos registrados, que infelizmente, foi o de sua defesa no
tribunal contra as acusações que lhe faziam. Quais pessoas que passaram pela
vida, e, nela foram totalmente autênticos com seus ideais, e que também foram
desapegados a tudo que os demais desejavam, sem serem perseguidas? Com Sócrates
não foi diferente. Analisar-se-á neste breve trabalho um pouco sobre esse
misterioso perfil em base das três obras assim citadas por Pessanha:
“Sócrates não deixou nenhum escrito.
Tudo o que sabemos sobre ele — sobre sua vida e sobre seu pensamento — provém
de depoimentos de discípulos ou de adversários. Os historiadores da filosofia
são unânimes em considerar que os principais testemunhos sobre Sócrates são
fornecidos por Platão e Xenofonte, que o exaltam, e por Aristófanes, que o
combate e satiriza. Do confronto desses diferentes retratos é que se pode
tentar extrair a verdadeira fisionomia de Sócrates.”(Pessanha, 1987 pg32).
1. O HOMEM SÓCRATES DA DEFESA
Neste texto, Platão é quem narra a defesa de Sócrates, e
como discípulo, tem um discurso apaixonado pelo mestre. Como explica Santiago
“A primeira questão evidente na obra é
se as palavras que Platão "coloca" na boca de Sócrates seriam as
mesmas proferidas em concreto perante o Tribunal de Atenas ou na verdade
refletem o pensamento de Platão em relação às injustiças sofridas por
Sócrates.” (SANTIAGO, 2017)
Porém, ainda sim, Borges afirma que mesmo com a admiração
de Platão, o discurso de Sócrates não deixa de ter autenticidade, mostrando sim
sua personalidade (BORGES, 2017)
Sócrates diz não ser igual àqueles que o acusam, que
falam com exuberância, porém nunca dizem a verdade. Ele, porém, é espontâneo, e
não sabe ser nada além dele mesmo. (Platão, 1987 pg33)
Seu orgulho sobre os demais homens é simples, se
considera mais sábio de Atenas porque reconhece que nada sabe, dizia ele “só
sei que nada sei!”. Diferente dos outros homens que nada sabem, porém, pensam
que sabem. (Platão, 1987 pg38)
Homem de convicção, mesmo com o risco da condenação não
muda de opinião, ainda cita Aquiles, que mesmo alertado que morreria se enfrentasse
Heitor, não teme em reconstituir a honra. (Platão, 1987 pg45)
A morte para Sócrates aqui, é um mistério que pode
levá-lo talvez ao maior bem do homem. Ele não a teme. Acredita que mesmo que
seja o fim, seria como uma boa noite de sono, e caso seja um encontro com os
mortos, seria uma honra conhecer todos os heróis gregos.
Tem
convicção que mesmo se for absolvido, continuará a filosofar, e nunca deixará
de fazê-lo. Diz também que nunca cobrou para ensinar, e não consegue fazê-lo
como faz Górgias, diz ele: “(...) estou igualmente à disposição do rico e do
pobre, para que me interroguem ou, se preferirem ser interrogados, para que
ouçam o que digo.” (Platão, 1987 pg50).
Sócrates
é autêntico. E continua sendo até quando tem capacidade de argumentar para
livrar-se da morte, não o faz para não trair a si mesmo. Como ele diz para
aqueles que o condenaram:
“(...)talvez imagineis, senhores, que me
perdi por falta de discursos com que vos poderia convencer, se na minha opinião
se devesse tudo fazer e dizer para escapar à justiça. Engano! Perdi-me por
falta, não de discursos, mas de atrevimento e descaro, por me recusar a
proferir o que mais gostais de ouvir, lamentos e gemidos, fazendo e dizendo uma
multidão de coisas que declaro indignas de mim, tais como costumais ouvir dos
outros” (Platão, 1987 pg55)
A defesa termina com a frase
de Sócrates: “Bem, é chegada a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a
vida. Quem segue melhor rumo, se eu, se vós, é segredo para todos, menos para a
divindade.” (Platão, 1987 pg58).
2. A
APOLOGIA DE SÓCRATES – XENOFONTES
O escrito de Xenofontes não carrega a tamanha admiração de
Platão por seu mestre. No livro Os
pensadores se encontrará:
“Xenofonte traça o perfil do mestre e
transcreve o que colhera de seus ensinamentos. Se o Sócrates visto por
Xenofonte não possui a mesma profundidade filosófica daquele que é mostrado por
Platão, sua grandeza humana é igual e igualmente enaltecida” (Pessanha, 1987
pg27).
A filosofia de Sócrates a respeito da morte para Xenofontes
é diferente. Apesar de Sócrates estar muito seguro a respeito de sua
condenação, seu entendimento parece mudar. Na apologia, o condenado fica
agradecido por ter chego sua hora, acredita até, ser a vontade de deus. Como
afirma Xenofontes:
“Sócrates diz ter articulado sua defesa
por duas vezes. Para persuadir os juízes, mas não conseguiu, seu demônio
interno não permitiu. Também pensa ser a vontade de deus sua morte, e acha bom.
Pois não quer viver doente ou morrer de velhice: preferirei morrer a mendigar
servilmente a vida e fazer-me outorgar uma existência mil vezes pior que a
morte” (Xenofontes, 1987 pg179).
Não são necessários muitos comentários sobre o homem
Sócrates para Xenofontes, já que sua opinião é próxima de Platão, basta aqui,
encerrar com seu comentário final:
“Recuara diante dos outros bens, assim
não fraquejou à barba da morte e serenamente a recebeu e sofreu. Quando reflito
na sabedoria e grandeza de alma deste homem, não posso deixar de acordar-lhe a
memória e a esta lembrança juntar meus elogios. E se dentre os enamorados da
virtude alguém houver que haja privado com homem mais prestante que Sócrates,
reputo-o o mais venturoso dos mortais.” (Xenofontes, 1987 Pg.184)
AS
NUVENS – ARISTÓFANES
A visão de Aristófanes é diferente das anteriores. Serve
de um contraponto para a personalidade de Sócrates. Dirá Pessanha:
“E, possivelmente, um dos motivos da
divergência entre os depoimentos que oferecem e o de Aristófanes reside neste
fato: eles falavam do Sócrates maduro, o mestre que se considerava imbuído da
missão — assumida em face de decisiva declaração do oráculo de Delfos — de
despertar os homens para o conhecimento de si mesmos. Já Aristófanes,
particularmente n’As Nuvens, teria feito uma caricatura do Sócrates mais jovem,
personagem já famosa em Atenas antes mesmo de desempenhar a atividade
missionária de que se julgou incumbido mais tarde.” (Pessanha, 1987 Pg17)
Sócrates para Aristófanes é um enganador, charlatão, louco,
considerado como sofista. Em um trecho por exemplo, Estrepsíades protagonista
da história aponta para casa de Sócrates e diz:
“ESTREPSÍADES (Declamando.) De almas
sábias é aquilo um "pensatório". . . Lá moram homens que, (...) Se a
gente lhes der algum dinheiro, eles ensinam a vencer com discursos nas causas
justas e injustas.
FIDÍPIDES Ah! Já sei, uns coitados! Você
está falando desses charlatães, pálidos e descalços, entre os quais o funesto
Sócrates e Querefonte...” (Aristófanes, 1987 Pg190)
Ao
longo da peça acontecem diversas situações em que mostram não apenas Sócrates,
mais também todos os seus discípulos divagando sobre diversos assuntos.
Comprovando eles, coisas com as maiores bobagens possíveis, como medir o salto
de uma pulga com as “botinhas de cera” colocadas nela. Aristófanes também deixa
muito explícito que considera Sócrates um ateu. Pode-se ver isso neste trecho:
“SÓCRATES Pois de fato só elas é que são
deusas (as nuvens), todo o resto são
lorotas!
ESTREPSÍADES (Assustado.) Epa! E Zeus,
em nome da Terra! Para vocês o Olímpio não é um deus?
SÓCRATES Que Zeus? Não diga tolices! Nem
sequer existe um Zeus!” (Aristófanes, 1987 Pg202)
A
peça mostra um Sócrates que manipula e orienta os jovens a discursar o que
quiserem, fazer da sua vontade a própria verdade. Tamanha capacidade de ensino
da sua escola, que Fidípides aprende a dar justificação até para bater no
próprio pai. O ultimato da peça sobre Sócrates para aquele que foi “enganado”
por ele:
“ESTREPSÍADES - Ai, que falta de juízo !
Como estava louco quando quis jogar fora os deuses por causa de Sócrates! (...)
Mas, meu caro Hermes, não fique com raiva de mim, não acabe comigo, tenha
compaixão, porque enlouqueci com fanfarronices! (...)(Finge ouvir o que diz a
estátua.) Dá-me um bom conselho, não me deixando remendar processos mas
dizendo-me a que ponha fogo na casa dos fanfarrões, o mais depressa
possível!” (Aristófanes, 1987 Pg241)
Conclusão
Observados todos esses contextos, pode-se confundir a
personalidade de Sócrates. Realmente não existem certezas para quem seria
realmente o homem Sócrates. Também foi visto que a confusão pode ter acontecido
por levá-lo em conta antes e depois de sua “tal conversão”.
Porém, pode-se afirmar um caráter
heroico nesse homem, justificando tais perseguições contra seu caráter. Levando
em consideração esses pontos:
Se a peça de Aristófanes tocasse verdadeiramente algum
aspecto da pessoa de Sócrates, teria ele aceitado pagar uma multa, rememorando
assim sua época juvenil perturbada. Porém, sabe-se que ele tinha a verdade ao
próprio lado e, graças a ela, não voltou atrás.
Não poderia alguém com
tamanha loucura traçada na peça As nuvens
adquirir a fama que parece ter Sócrates, mesmo quando jovem. Também não valeria
a pena escrever uma peça para um personagem tão ridículo historicamente. Está a
graça da peça, em ridicularizar tudo o que ninguém compreendia. Se acaso fosse
Sócrates da forma que mostra o Teatro, onde estariam as surpresas e os fatos
cómicos. Todas as críticas parecem sair da ignorância dos ouvintes de Sócrates
que não eram capazes de compreender tais ideias. O Primeiro deles o próprio
Aristófanes.
Não seria possível existir tal homem da defesa e da
apologia, se esse não reconhecesse seu período perturbado de vida. Caso
Sócrates tivesse passado por tal condição, de enganador e “canalha”, ele mesmo
teria pedido uma punição para si. Pois não suportaria ter que viver com tal
fardo.
Ainda considerando esse Sócrates, que tem seu orgulho em
sua humildade, também dificilmente falaria que Atenas é quem perderia mais com
sua morte, pois não encontrariam outro igual. Como também: “o verdadeiro sábio
é aquele que como Sócrates compreendeu que sua sabedoria é verdadeiramente
desprovida do mínimo valor.” (Platão, 1987 pg 39) essas duas frases que
aparentam vir de Platão, não se encaixam nesse perfil. Sócrates não citaria o
próprio nome na frase.
Percebe-se então que os textos de Platão e de Xenofontes
possuem mais valor. Um homem que não muda seu discurso perante a morte, em
favor da própria vida por convicções, possui grande caráter. E é histórico que
morreu. Ninguém morre por uma mentira, e se fosse, Sócrates saberia que mentia,
aceitando assim uma punição que lhe caberia.
Sócrates deixou um grande ensinamento. Talvez seja fácil
escapar da morte (aqui, a injustiça), difícil é lutar contra a maldade: “(...) ela
corre mais ligeira que a morte” (Platão, 1987 pg 56). Para isso, é preciso ir
além dos limites, se necessário, dar a própria vida em favor da verdade e do
bem.
BIOGRAFIA
(BORGES, 2017) Donaldo de Assis Borges. Advogado e Professor
Universitário em Franca/SP. UMA ABORDAGEM TEÓRICA: “APOLOGIA DE SÓCRATES” DE
PLATÃO. http://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/filosofia/uma-abordagem-teorica-apologia-socrates-platao.htm
(SANTIAGO, 2017) Emerson
Santiago Apologia de Sócrates
http://www.infoescola.com/filosofia/apologia-de-socrates) Acesso 04/04/2017
10h36
(Pessanha,
1987). (Platão, 1987) (Xenofontes, 1987) (Aristófanes, 1987) Platão 428 ou
7-348 ou 7 A.C. Defesa de Sócrates /
Platão. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates ; Apologia de Sócrates /
Xenofonte. As nuvens / Aristófanes ; seleção de textos de José Américo Motta
Pessanha ; traduções de Jaime Bruna, Libero Rangel de Andrade, Gilda Maria
Reale Strazynski. — 4. ed. — São Paulo : Nova Cultural, 1987.
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