O HOMEM QUE APRISONOU TODOS OS HOMENS
INTERPRETAÇÃO LEIGA DA OBRA DE AGOSTINHO A CIDADE DE DEUS CAPÍTULOS I AO XX
INTRODUÇÂO
A história da humanidade é marcada por eternos “pêndulos”
de ideologias, ou se está na direita ou se está na esquerda. A vida de
Agostinho, o filósofo teólogo que encerra o período da patrística, não foi
diferente. Em sua juventude viveu e experimentou muitos prazeres carnais,
passou por diversas crenças e ideais, porém, após sua conversão vai para o
outro lado da moeda, passa a desprezar tudo que já viveu e busca algo novo.
AS HABILIDADES DE AGOSTINHO
O doutor da igreja era um temido
orador e perfeitamente comparável a um sofista, ou seja, tem grande poder de
trabalhar com palavras para defender suas verdades, sejam reais ou imagináveis.
Tinha auxílio de já ter vivido as maiores angústias dos homens e também seus
desejados prazeres. Falava então com autoridade e proximidade, o que somava com
sua espetacular retórica. Não é tão surpreendente um homem assim ter conseguido
transformar tanto o mundo e sua época. Obviamente é pretensão dizer que ele
jogou os homens nas trevas que tanto dizem sobre a idade média, mas talvez não
o seja em dizer que sim, ele contribuiu.
A CIDADE DE DEUS
Agostinho escreve a obra para mostrar
aos homens que Deus se revela aos humildes, elencando os valores que existem na
cidade eterna. Em contraposição, coloca todos os sentimentos de ânsia de
domínio que existe na cidade dos homens. Ele condena mais do que Roma ou
qualquer outra cidade terrena, o santo ataca ferozmente toda forma de vida que
se apega ao passageiro, e glorifica a tudo que despreza o terreno e espera a
morada eterna.
Existem muitas verdades na exposição das ideias, porém, ele
usa em demasia suas habilidades “sobrenaturais” de retórica para defender com
toda força o que deseja, e acaba passando dos limites, posteriormente tenta
recuperar o estrago que deixa, mas talvez tarde demais.
Um argumento bom e verdadeiro usado por ele, é de mostrar
que todos sofrem com a guerra, independente da crença, tanto Roma quanto os
bárbaros, pilham, matam, e saqueiam templos sagrados. Agostinho parece querer
defender que ao crer no Deus verdadeiro seriam poupados, mas, é sem a sombra de
dúvida que tem total conhecimento da história de Israel, que adorava o único
Deus e, mesmo assim, teve seus templos e mulheres violentados. A verdade está
em dizer que ao pouparem os romanos que estavam dentro de um templo, os
bárbaros mostraram a ação salvadora de Cristo, com o perdão ou misericórdia.
A cidade de Deus defendida pelo Santo, parece ser algo
abstrato, interior. Algo que a guerra, o estrupo, a violência, a difamação e
todas as consequências cruéis da vida podem tirar, uma cidade eterna, a única
no qual vale a pena viver e posteriormente morrer. Uma vez com ela no peito,
nada nem ninguém pode a abalar, até no cárcere, na fome, na tristeza, nas
trevas, o importante é ter fé na eternidade.
O “CANCÊR” DE AGOSTINHO
Totalmente capacitado a defender qualquer ideia que queria,
iluminado por Platão e o neoplatonismo, Agostinho inicia uma condenação da
carne, da vida, dos desejos, dos prazeres, do passageiro, cego por estar no
outro extremo do pendulo, o doutor lança na imundice depois em uma fornalha a
criação divina de Deus. Deixa parecer aos homens que o divino criou o eterno e
o diabo fez o universo e tudo que é matéria. Em uma criativa comparação, o deus
de Platão Demiurgo que copiou tudo que era divino, faz as vezes agora no diabo,
e todos os homens esperam ansiosamente voltar para a única verdade e prazer
existente, o mundo das ideias. Sua convicção e habilidade é tanta, que surge um
problema para quem o acompanha, que é o de brotar mesmo que subliminarmente uma
ideia de desprezo da vida a cada vez que se admira os prazeres e belezas
terrenas, o que o faz começar a se preocupar com o tema que se tratará a
seguir.
Transbordando de habilidade em sua retórica, o santo vai
muito além do que precisava para convencer as pessoas que não foi o
cristianismo que acabou com Roma, mas chega ao ponto de fazer vir à tona o
suicídio. Alguns argumentos exagerados do doutor como dizer que morrer de fome
por ser cristão liberta os homens dos males terrenos, é um exemplo, mas não
para aqui, também diz ele:
“A cada mortal o ameaçam mortes de todos
os lados. Nos quotidianos azares desta vida enquanto dura a incerteza acerca de
qual das mortes surgirá eu pergunto se não será preferível suportar uma
morrendo, a ser por todas ameaçado vivendo.” (AGOSTINHO, 1996 p. 133)
Ainda mais adiante, irá dizer que na
vida longa ou breve não há diferença, o que importa é pela causa que se morre.
O mais importante de toda a vida é a morte, o eterno. O resto deve ser
desprezado.
Agostinho defende ao longo dos
textos todas as expressões de “derrotas” cristãs como vitória, pois visam o
eterno, ao mesmo tempo condena as vitórias, e ainda mais as derrotas, pelo
império, ou pela carne, ou por qualquer coisa que seja material por colocarem
sua vontade no passageiro. Isso é o que parece ser a base de todo argumento do
Santo que enfeitado por todos seus adornos sofistas e retóricos parecem tão
belos. Afinal, não defender-se-ia qualquer religião que visa eternidade da
mesma maneira? Esses textos, por mais religiosos que sejam, vão criando no
íntimo de quem lê um desprezo por todas as coisas humanas e faz surgir no
coração a pergunta de qual o sentido da vida se não, a morte para eternidade. Parece
que isso faz com que Agostinho trabalhe a questão do suicídio, mostrando que
não existe condições que tornem a prática lícita, e diz que quem o comete peca
mortalmente contra Deus, obviamente perdendo a eternidade.
CONCLUSÃO
O santo doutor da igreja teve êxito
em provar que Roma caíra devido aos erros dos homens, mostrando que é natural
que todas as coisas mutáveis terminem. Suas filosofias e teologias foram
positivas para o mundo, porém, uma vez sendo extremista, prejudicou muito um
dos lados vitais do homem, ou seja, trabalhou muito a alma, porém odiou o
corpo. Ele destruiu tudo que pode dar prazer ao homem, com exceção da
contemplação, tirou toda beleza da vida e da existência terrena, fez com que o
homem desejasse a eternidade, depois proibiu que o mesmo tirasse a própria
vida, aprisionando-o em um cárcere passageiro e inútil, agoniante, supérfluo
que faz com que o desprezo da vida, fique por muitos anos pairando na terra,
afinal, por que desenvolver tecnologias, estudar, crescer, se importar com o
bem-estar de tantos se nada disso vale a pena. Lançou ele, a caridade em uma
obra sem vida e sem beleza, em um abismo de medo da condenação eterna, onde
todas as obras do homem parecem agora não ser praticadas por amor, o que
aparentemente Cristo e o próprio Agostinho queriam, mas sua exagerada forma de
se defender fez o homem ter um eterno medo do ódio e da ira divina, lançando-os
em uma vida terrena sem sentido e sem luz, essa que o próprio Deus criou para
iluminar os viventes e inclusive a própria terra.
REFERÊNCIA
AGOSTINHO, A cidade de Deus, Edição da fundação Calouste Gunbenkian
1996 2º edição
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