sexta-feira, 3 de agosto de 2018

ANÁLISE DO LIVRO AS CONFISSÕES DE SANTO AGOSTINHO


EDUARDO WILLIAN DA SILVA
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
UNISAL- CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
2º SEMESTRE DE 2017
BACHARELADO EM FILOSOFIA


CONFISSÕES

INTRODUÇÃO

Aurélio Agostinho, o Santo Agostinho de Hipona foi um importante bispo cristão e teólogo. Nasceu na região norte da África em 354 e morreu em 430. Era filho de mãe que seguia o cristianismo, porém seu pai era pagão. Sua vida pode ser analisada em diversas perspectivas, o contexto histórico, a angustia na busca pela verdade, ou seja, a passagem que faz por outras doutrinas, bem como o maniqueísmo, o ceticismo, até, posteriormente, abraçar a fé cristã e a filosofia.
Apesar de sofrer influências, desde crianças, respeito da fé cristã, o santo relutou muito até desejar abraça-la. Foi, pois, mediante a tantos acontecimentos simultâneos, como o contato com Santo Ambrósio, a conversão dos amigos, a ida para Itália e a angustia que sofria em prol do desejo de encontrar respostas para suas questões, ou seja, a origem do mal, como sendo a principal. Severas reflexões fizeram-no emergir do íntimo e expuseram-no toda a miséria à contemplação do coração.
O Maniqueísmo na vida de Agostinho é fator determinante para uma melhor compreensão da atuação de Deus. Mesmo que diante de algumas heresias levantadas por essa doutrina, sua chave de leitura em meio ao caos, no qual passava o santo, foi um grande passo dado em direção a si mesmo e, consequentemente, a Deus.





Livro I- Do nascimento aos quinzes anos.

Agostinho apresenta-se como um rapaz imaturo que ainda está compreendendo a si mesmo e as coisas. Sente-se, por parte dele, desconforto e arrependimento por ter vivido algumas partes da sua infância de maneira, interpretada por ele, errônea. Principalmente no que se refere aos estudos. “Para minha infelicidade, não entendi a utilidade desse trabalho; mas se me mostrava preguiçoso, era castigado a vara” (AGOSTINHO, 1984, p.27).
“Ainda menino, comecei a dirigir-me a ti, como a ‘meu rochedo e meu refúgio’” (AGOSTINHO, 1984), frisa o santo, mediante as dificuldades que enfrentava na escola, para que Deus o livrasse. Sua consciência diante de Deus é de pecador, por haver de desobedecer seus pais, pois “amava as disputas e o orgulho da vitória” (AGOSTINHO, 1984), isto fazia com que vivesse em distrações, não cumprindo o que lhe era pedido.
A visão que o santo tem de si é que seu corpo, ou seja, suas atitudes, mancham a pureza da alma. Percepção e compreensão fortemente platônica, no qual o corpo e a prisão da alma, que é pura, e necessita purificar-se e manter-se assim. “Quanto teria sido preferível para mim ser logo curado e esforçar-me, eu e os meus, para conservar intacta a saúde da minha alma” (AGOSTINHO, 1984). Em seus escritos, rejeita tudo o que se trata como mundano, até mesmo a literatura.


Livro II- Os dezesseis anos

Neste capítulo vê-se Agostinho na puberdade, desfrutando dos prazeres causados por esta fase, mas também por sua necessidade de mostra-se aos outros, de sentir orgulhoso e importante. Manifestando a arrogância que estava presente nele. Tinha o prazer de praticar o que era proibido (AGOSTINHO, 1984).
Sua ligação com Deus, na adolescência, era muito distante. Denota-se uma pessoa que gostava de curtir festas, de satisfazer os seus desejos, próprio de um jovem aventureiro. Nisto se manifesta, mais uma vez um sentido de culpa, porém vista sob o ângulo da “pós conversão”. Entretanto, era vivido de maneira totalmente livre de qualquer culpa. Assim, ele compreende que Deus calava-se vendo suas atitudes.

“Desde a adolescência, ardi em desejos de me satisfazer em coisas baixas, ousando entregar-me como animal a vários e tenebrosos amores! Desgastou-se a beleza da minha alma e apodreci aos teus olhos, enquanto eu agradava a mim mesmo e procurava ser agradável aos olhos dos homens” (AGOSTINHO, 1984, p. 45).

Denota-se, nesta fase da vida do santo, certa tendência ao Epicurismo, ou seja, ele buscava a Ataraxia, a paz interior, desfrutando-se dos prazeres, porém sem nunca desejar sofre-los. Entretanto, o desejo deste ideal, só encontrou, posteriormente, em Deus. “Quem mergulha em ti ‘entra no gozo do Senhor’” (AGOSTINHO, 1984, p. 58).


Livro III- Jovem estudante

Após sua mudança para Cartago, desejos, vontades e prazeres carnais ainda eram muito presentes na vida do santo. Assim, manchava as fontes da amizade com a sordidez da concupiscência e turbava a pureza delas com a espuma infernal das paixões (AGOSTINHO, 1984).  Atraía- lhe os sofrimentos alheios, imaginário, teatral, seduziam- lhe o desejo de chorar pelos gestos do ator, pois buscava motivos de dor, uma forma aplacar suas misérias.
Em Agostinho dá a impressão de um Deus que pune conforme as más condutas, porém de forma à educa-lo. “Por isso me punistes com graves castigos; mas estes eram nada diante das minhas culpas (...)” (AGOSTINHO, 1984. p. 65). O amor a sabedoria despertado por Hortênsio de Cícero, culminou no desejo por conhecer as Sagradas Escrituras, um livro que não se abre aos soberbos.  
A busca de Agostinho em saciar a sua fome interior, ou seja, encontrar a Deus, fez rejeitar as simples e profundas palavras a Bíblia e também aderir ao Maniqueísmo, heresia que, posteriormente, será combatida por ele. Descia os degraus das profundezas do inferno, atormentado pela sede da verdade enquanto buscava a Deus (AGOSTINHO, 1984).
O Maniqueísmo na vida de Agostinho é fator determinante para uma melhor compreensão da atuação de Deus. Mesmo que diante de algumas heresias levantadas por essa doutrina, sua chave de leitura em meio ao caos, no qual passava o santo, foi um grande passo dado em direção a si mesmo e, consequentemente, a Deus. Por desconhecer tais fatos, ria-se dos cristãos. Porém, compreende que era ele, que deveria ser escarnecido, por acreditar em tolices (AGOSTINHO, 1984).


Livro IV- O professor

Agostinho, inteligente como era, muitas vezes foi seduzido e sedutor, enganado e enganador, em meio às diversas paixões, ensinando, em público, as ciências chamadas liberais e, em particular, praticando uma religião indigna de tal nome. Utilizava-se da retórica como sustento de vida e também do próprio ego. Após a morte de seu amigo, encontrava-se desolado e banho em tristezas, unindo as suas angustias pela verdade das coisas. “Eu era infeliz, como infeliz é todo espírito subjugado pelo amor às coisas mortais, cuja perda o dilacera, e então deixe perceber a extensão da infelicidade que já o oprimia antes de perde-la” (AGOSTINHO, 1984, p. 93).
O “deus do santo” era como um fantasma irreal, era o seu próprio erro, no qual a alma não encontrava lugar para descansar.  Os dias se sucediam, e, com o passar do tempo, novas esperanças e outras lembranças, que não fosse a morte do amigo, se apresentavam, sua alma encontrava força para não deixar esvair-se mais ainda da Verdade. Foi-se percebendo que o mal pelo qual passava não era um Sumo Mal que guiava tais ações, como se fosse um outro deus, assim como ensinava o maniqueísmo, mas a ausência das escolhas boas. Entendia que a realidade é material, ou seja, corpórea, impedindo-o de compreender a verdade, por meio, também, das coisas espirituais. Não compreendia a ação de Deus.


Livro V- Da África à Itália

Ainda em Cartago, ao encontrar um Bispo maniqueu chamado Fausto, Agostinho admira-se a inteligência que este possuía, a maneira eloquente que envolvera já muitas pessoas. Precedia-o a fama de homem competentíssimo nas ciências mais nobres. Porém, Agostinho em uma visão mais avançada, ou seja, depois de abraçar a doutrina cristã, salienta que a “piedade é sabedoria”, e tudo quando descobriu-se de eclipse, calendários, horas, nada se compara a uma alma que está inundada em Deus.
Ele coloca em dúvida a doutrina do maniqueísmo, após o encontro com Fausto. A busca pelos astros, sol, lua, e outras ciências, não pareciam satisfazer a angustia que sentia, ao tentar responder as questões que lhe causava isso, ou seja, de onde parte todo este conhecimento, quem o rege. Quanto ao mais, o ardor que tivera em progredir nesta seite que abraçara arrefeceu completamente logo que conheceu este homem, mas não ao ponto de desligar-se radicalmente dos maniqueístas. Com feito, não encontrando solução melhor, decidira contentar-se temporariamente com ela, até encontrar ao mais claro que merecesse ser abraço (AGOSTINHO, 1984).
Acudira-se o fato da ideia de que os mais esclarecidos entres os filósofos eram os chamados Acadêmicos, quando afirmava ser preciso duvidar de tudo, e que o homem nada pode compreender da verdade, (talvez seja desse conceito que ele compreende que a Verdade, Deus, só pode ser conhecido se Ele se der a conhecer, ou seja, pela iluminação dada pelo mesmo).
Os fatos ocorridos na vida Agostinho foram convergindo para o seu encontro com a fé cristã, pois desejava aprofundar-se nas Sagradas Escrituras, mediante ao que sentia com as críticas que os maniques faziam a certas passagens. Além disso, sua dificuldade em ensinar retórica em Roma, também contribuiu para tal evento.
Seu encontro com Santo Ambrósio encantou-o pela maneira pelo qual discursava nem tanto pelo que conteúdo, pois seguia o maniqueísmo. Seu principal interesse pela fé católica, não foi pelo que pregava, mas sim pela maneira que era discursada, ou seja, o “poder de retórica”. Assim, abraçou previamente ao catecumenato da Igreja católica.


Livro VI- Agostinho aos trinta anos

A angustia do Santo de Hipona tornava-se calma a cada palavra que era pronunciada pelos lábios de Ambrósio. Estimava-o como a um “mensageiro de Deus”. Tinha sempre a oportunidade de consultar o santo oráculo que residia no coração daquele homem, para sanar suas dúvidas.
Tais palavras que eram ouvidas e que acalentavam-lhe o coração, passaram a clarear as nuvens que haviam na busca pela verdade, pois encontrava-as nos cursos de Ambrósio. A compreensão das Sagradas Escrituras foi o motivo pelo qual Agostinho abraçou a fé católica. Entendia-a ao pé da letra e assim era mais “fácil de criticar”, ou parecer uma mentira, como fábulas absurdas, incapazes de demonstração. Parece que ele encontrou familiaridade entre a fé relacionando-a com o que buscava, levando-o a interpretá-la com “olhares platônicos”. Segundo seu entendimento, a Sagrada Escritura é um caminho que leva a verdade.


Livro VII- A busca da verdade

A ideia de um ser imutável, inviolável, incorruptível perpassa, também, nas reflexões filosóficas de Agostinho. Entendia que tudo aquilo que é sujeito à corrupção é certamente inferior àquilo que não é, ou seja, o que não é passível de corrupção, colocava acima do que era. Um conceito fortemente enraizado nos primeiros filósofos quando buscava uma arché que contemplasse todas as coisas. Parece que o santo compreende bem isto.
A questão da origem do mal, tão discutida pelos maniqueístas, levou-o à colocar em cheque, tal doutrina.

Se tememos o mal sem motivo algum, é esse temor um mas, enquanto sem motivo nos perturba o coração, e tanto mais grave quanto nada há que temer. Portanto, ou o mal que tememos existe, ou o próprio fato de teme-lo é um mal. Mas de onde vem o mal, se Deus é bom e fez todas as coisas boas? (AGOSTNHO, 1984. p 175).

Tais eram as reflexões que agitavam seu pobre espírito, já sob o peso da pungente preocupação de morrer sem conseguir descobrir a verdade. A leitura dos platônicos leva Agostinho a buscar no próprio intimo a verdade e assim passa a rejeitar o dualismo maniqueísta. Para ele, todas as coisas são boas e não podem não ser. Pois, o mal que procurava não é uma substância, porque se fosse seria um bem.
A relação Agostinho e Deus intensificou-se mediante a estes acontecimentos que foram ocorrendo. Mesmo que ele afastasse por “fraquezas carnais”, seu coração estava voltado a Deus e já não duvidava absolutamente da existência de um ser a quem deveria estar unido.


Livro VIII- A conversão

A conversão de seu amigo Vitorino contado por Simpliciano despertou-lhe curiosidade e atenção quanto a fé católica, pois além de transformar a maneira de pensar e enxergar o mundo, ele renunciou ao que lhe mais agradava que era poder lecionar literatura e retórica, porque o imperador Juliano estipulara uma lei que proibia os cristãos de exercer tal função. Apesar de Agostinho querer seguir o mesmo caminho, a sua “vontade férrea” impedia-lhe.
As peças do quebra-cabeça de Deus na vida de Agostinho iam sendo paulatinamente encaixadas e as trevas da escuridão da alma se esvaindo, seja pela conversão dos amigos, pelas atitudes da mãe, pelo testemunho dos cristãos ou pela Sagrada Escritura, o seu interior era inundado por tantas inquietações.
A tempestade interior era cada vez mais intensa, tantos acontecimentos simultâneos, tantas doutrinas diferentes e nada de encontrar a verdade que lhe acalmasse e lhe desce paz. Severas reflexões fizeram-no emergir do íntimo e expuseram-no toda a miséria à contemplação do coração (AGOSTINHO, 1984). Assim, em meio a inúmeros acontecimentos a leitura da Sagrada Escritura foi determinante para a sua conversão. Narra o santo:

Peguei-o, abri e li em silêncio o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar: “Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne”.[1] Não quis ler mais, nem era necessário. Mal terminara a leitura dessa frase, dissiparam-se em mim todas as trevas da dúvida, como se penetrasse no meu coração uma luz de certeza. (AGOSTINHO, 1984, p. 227).
           
Enfim, encontrou em Deus a possibilidade de responder as questões que mais lhe causavam desconforto e agora passa a debruçar-se nesta doutrina, mas com a intenção de defender contra os hereges.


Livro IX- O batismo e a volta para a África

Após a conversão, Agostinho decide abandonar a cátedra de retórica, pois já não se sentia feliz ao ministrar aulas, na qual ensinava os jovens a discutir questões, que segundo ele, eram inúteis à alma, além das dores nos pulmões que havia sentindo, impediam-lhe de continuar a desempenhar a profissão.
Mesmo depois de abraçar a fé cristã, o recém convertido sofria pela consciência dos erros passados, buscava redimi-los. Também não se sentia apto ou minimamente pronto para as exigências que esta doutrina causava, ou seja, a fé, o martírio, as perseguições.          A presença de Mônica foi determinante na vida do santo, tanto na infância, na adolescência, quando ainda não abraçara a fé e também após a conversão, sustentando- lhe em suas incompreensões primarias a respeito da nova doutrina.
Assim, depois de ter abraço a fé, abandonado as aulas de retóricas e a morte da mãe, Agostinho volta para África, sua terra natal e onde, mais tarde, passará a exercer o cargo de Bispo, ou seja, de pastor, aquele que presa e zela pela fé dos demais cristãos. Aquele que outrora perseguia a condenava a fé cristã e seus ensinamentos, passará a conduzir inúmeras pessoas no caminho da fé.


Conclusão

A filosofia e a teologia agostiniana ainda são muito presentes no cristianismo, mesmo depois que Santo Tomás de Aquino surgiu reinterpretando muitas coisas ditas por ele, seu pensamento ainda perpetua. A conversão que o santo teve em sua vida atrai inúmeros cristãos que desejam trilhar um caminho de santidade e busca pela verdade, pois, este, é um modelo.
A linha de pensamento de Santo Agostinho girava em torno de dualismos, herança de Platão e dos maniqueístas orientais. Bem e mal, corpo e espírito eram totalmente separados. O filósofo condenava os pecados da carne e alegava que a fé era o essencial para a vida. Hoje ainda, suas ideias alimentam a vida espiritual dos seguidores de Cristo, pois há correntes que defendem o desprezo ao corpo.
Assim, a vida deste santo é um marco na história seja positivo, ou negativo. Porém, não pode negar que a contribuição que deu para que Filosofia a e Teologia avançasse é inegável.


Referências

            AGOSTINHO, Santo, Confissões, 1984. Trad. Maria Luiza Jardim Amarante; [revisão cotejada de acordo com o texto latino por Antônio de Silveira Mendonça]. -  São Paulo: Paulus. – (Coleção Patrística)


[1] Rm 13, 13s.

O PERFIL SOCRÁTICO DIANTE DAS OBRAS O JULGAMENTO DE SÓCRATES, A APOLOGIA E A DEFESA


EDUARDO WILLIAN DA SILVA
UNISAL- CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
BACHARELADO EM FILOSOFIA
1º SEMESTRE DE 2017
DÍSCIPLINA: HISTÓRIA DA FILOSOFIA
PROFESSOR: P. DILSON PASSOS JUNIOR



INTRODUÇÃO

No livro O Julgamento de Sócrates apresenta uma visão bem diversa daquela que vê-se em Apologia, de Xenofonte, e A Defesa, de Platão, a respeito de sua conduta diante dos concidadãos, como o menosprezo diante a atuação política dos artesãos, pedreiros, ferreiros entre outros, ou seja, aqueles que eram de classe social baixa, e também seus pensamentos “espartanos” políticos que divergem e muito do que os cidadãos atenienses compreendiam, pois frisa fortemente as divergências partidárias, a diferença na compreensão de Virtude e Conhecimento, e a não participação na vida integral política, pois ele participava de modo indireto, principalmente no que se refere ao pensamento sobre a Justiça, salientando um ideal socrático antidemocrático. Este envolvimento com a política é forma que contraria o pensamento dos seus concidadãos, não fazendo juízo de qual é o ideal correto ou o errado, mas busca salientar as diferenças existentes nestes dois conceitos.
No que diz respeito ao julgamento, que também envolve a sua situação em relação à política, apresenta-se Sócrates como um “mártir da liberdade de expressão”, que no entanto, o caminho que o livro vai discorrendo, leva a perceber o desejo que ele queria apropriar-se da morte, pois poderia optar por inúmeras propostas feitas, quando foi acusado, como: exilar-se, pagar multa, entre outras, ou poderia evitar até mesmo a própria condenação, fazendo bom uso de sua retórica, para convencer o júri de sua inocência. Assim, desmistificará a sua imagem diante da Pólis e também para o próprio leitor.



O JULGAMENTO DE SÓCRATES


PRIMEIRA PARTE: SÓCRATES E ATENAS

AS DIVERGÊNCIAS BÁSICAS

Aborda-se neste capítulo as divergências partidárias que aconteciam em meados do século V a.C., ou seja, Oligarquia (regime político em que o poder é exercido por um pequeno grupo de pessoas, pertencentes ao mesmo partido, classe ou família) contra a Democracia (governo em que o povo exerce a soberania). Discorrem sobre a melhor forma de governo para a Pólis, diversos filósofos apresentam suas contribuições, opiniões e soluções para os problemas que enfrentam. Além disso, a forma como Sócrates é apresentado por Xenofonte e por Platão, diferem-se quanto se trata de um ideal da Pólis.



SÓCRATES E HOMERO

A narrativa de homérica não se harmoniza com o ideal Socrático de governo da Pólis, entretanto já contém o germe, que futuramente indicará com caminhos para uma forma adequada de governo.
As narrações feitas (Odisseia, Ilíadas) eram conhecidas por grande parte da população que compreendia o pensamento de “pastor do povo” como um ideal totalmente diverso do que era proposto anteriormente, como o conceito de Homem Civilizado, ou de Lei e Justiça, vividos conforme os costumes. Temos, então, algo que se aproxima mais de uma monarquia constitucional, do que o governo “daqueles que sabem”, perante “os que não sabem. ”


UMA PISTA NO EPISÓDIO DE TERSITES

Percebe-se que dentre as acusações que Sócrates recebeu, está a corrupção da juventude no qual utilizava-se de trechos imorais dos famosos poetas, para torna-los tiranos e insolentes, sendo chamado de antidemocrata. Este capítulo gira em torno deste pensamento, enxertando ainda mais a diferença entre Sócrates e os ideais daquela época, a partir de sua literatura.
Xenofonte nas Memoráveis, defende Sócrates da acusação contra a democracia, entretanto, neste capítulo, defende-se a ideia de que ele omitiu frases do texto de Homero para defende-lo. Tersites, que confronta Odisseu, é o primeiro a pensar na ideia de um homem do povo, com direito de expressão, porém seu pensamento não é bem aceito.


A NATUREZA DA VIRTUDE E DO CONHECIMENTO

Este capítulo apresente a segunda divergência básica entre Sócrates e a Pólis, que é a questão sobre a Virtude, gerando outra dúvida, a respeito do Conhecimento. Estes problemas apresentados, para Sócrates, têm peso político, pois se o Conhecimento é uma Virtude e todos os homens podem ser virtuosos, logo podem adquirir tal Conhecimento, ou seja, não há divisões de classes sociais. Entretanto, este pensamento afirma que a comunidade era um rebanho, incapaz de governar a si própria, pois o verdadeiro Conhecimento era inatingível, e a grande maioria das pessoas não possuíam tanto a Virtude, quanto o Conhecimento. Esta diferença reflete nos diálogos em Sócrates e os Sofistas.
A defesa da democracia é apresentada e Sócrates é obrigado a enfrenta-la no diálogo com Protágoras. Este também descreve em um mito feito por ele, que tem base filosófica no autogoverno, no qual Sócrates ignora a democracia ateniense, sendo considerado um inimigo.

A CORAGEM COMO VIRTUDE

Sócrates afirma que a coragem por ser Virtude é também Conhecimento. Entretanto, Aristóteles contesta esta visão que em seu livro, Ética a Nicomaco, diz que o Conhecimento, considerada por ele como Virtude social, às vezes, acovarda até mesmo os soldados mais corajosos, porém em outros casos a coragem transcende o conhecimento. O diálogo entre Laques e Sócrates, leva-o a um beco sem saída diante de suas próprias proposições ao longo do discurso.
            Grande parte dos escritos dos diálogos de Sócrates há o questionamento a respeito das Virtudes, de sua origem. Neste capítulo, apresenta uma visão crítica a respeito do método no qual ele utiliza-se nos diálogos, transpassando uma visão negativa das coisas e sem formar sua própria proposição durante a conversa, tendo sempre a intenção de confrontar a democracia. Sua doutrina, antidemocrática, no qual aqueles que sabem devem governar, está ligada a busca de certezas absolutas, ou seja, de definições a respeito da Virtude e do Conhecimento. O desprezo pela democracia e pela gente comum é um tema recorrente nos discursos de Sócrates.
            Assim, apresenta-se vários argumentos para apresentar as contradições em seus discursos e a fragilidade de seu pensamento.


UMA BUSCA INÚTIL: SÓCRATES E AS DEFINIÇÕES ABSOLUTAS

Para Sócrates só se conhecia realmente algo se pudesse definir de modo absoluto. Isto fez com que sua busca se tornasse mais frutuosa, também, para os próximos filósofos que surgiram, utilizando-se deste pensamento para caminharem mais profundamente a respeito de vários assuntos. Mais uma vez, mostra-o com um filósofo que confunde o raciocínio dos seus interlocutores, fazendo analogias complexas ou até mesmo patéticas.
Nos discursos, sua intenção é ridicularizar a democracia, entretanto, muitas vezes é ele que se torna ridículo, perante suas colocações. Apresenta uma maneira arrogante no falar, quando se trata da missão recebida pelo oráculo de Delfos e que o definiu como o mais sábio de todos os homens, por compreender que não conhece todas as coisas e quem ele interrogava sabia ainda menos.
Este capítulo apresenta de forma negativa tudo quanto Sócrates pensou e filosofou junto aos seus contemporâneos, com exceção a busca das definições absoluta das coisas. Sempre frisando sua imagem antidemocrática.


SÓCRATES E A RETÓRICA
           
            Os principais órgãos de autogoverno eram a assembleia, onde se faziam as leis, e os tribunais, onde eram interpeladas e aplicadas. Os cidadãos, fossem eles a minoria ou a maioria da população, tinham de aprender a falar com clareza e argumentar afim de proteger seus próprios interesses, assim a necessidade de um bom uso da retórica fez cada vez mais necessário.
            O Sócrates descrito por Platão abomina a arte da retórica, adotando uma visão negativíssima da mesma, no Górgias, que para ele é uma atividade astuta e galharda (viril). Desprezava os comerciantes que frequentavam a assembleia, não admitia que poderiam contribuir com algo. Busca sempre enfatizar a incapacidade de autogoverno dos homens, pois não dominam o conhecimento necessário. Assim, é apresentado, mais uma vez, um Sócrates de ataca a todo momento a democracia.


O IDEAL DE VIDA: A TERCEIRA DIVERGÊNCIA SOCRÁTICA

Este capítulo apresente a terceira divergência básica entre Sócrates e os seus concidadãos, ele pregava e praticava a não-participação na vida política da cidade, porém os gregos acreditavam que os cidadãos se educavam e se aperfeiçoavam através de uma participação integral na vida e nos negócios da cidade, assim as virtudes ganham sentido quando são exercidas em comunidade; não há possibilidade de haver justiça em uma vida solitária.
Apresenta-se Sócrates como uma pessoa isenta diante das decisões ocorridas na Pólis no qual ele não se manifestava, vê-se nele um certo distanciamento: “Pode parecer estranho que eu circule por todo o canto a dar conselhos particulares, mas não me aventure a vir à assembleia para dar conselhos à cidade” (Stone, 1988, p.131). O dêmos  que ele desprezava tinha uma consciência para qual podia apelar, como na história de Diodoto, que conseguiu fazer com que a piedade prevalecesse mesmo diante de uma oposição do principal líder democrático da cidade, Cléon. Entretanto, Sócrates participa integralmente dos negócios da cidade, segundo a Apologia de Platão, no julgamento dos generais, pois ele enfatizava o agir com justiça, porém é apenas parte da atuação na cidade.


OS PRECONCEITOS DE SÓCRATES

             Sócrates mostra-se indiferente aos homens atenienses mais simples, que só se importam em ganhar dinheiro. Sua origem aparentemente pobre, gera dúvidas de como ele sustentava sua família não praticando nenhum ofício, porém há indícios de que ele tenha recebido herança de seu pai, pois lutou como hoplita, isto é, na infantaria pesada, onde os próprios atenienses arcavam com os custos dos equipamentos militares. Pode ser por isso que ele menospreza que é inferior socialmente a ele.
            É admirado por seu inconformismo, mas poucos se dão conta que ele se rebelava contra uma sociedade aberta e admirava uma sociedade fechada, como Creta e Esparta. Aristófanes personifica a imagem de Sócrates a de um espartano, pela sua maneira de vestir-se, comportar-se e pensar a política.
            Este capítulo frisa os “traços espartanos” nas ações de Sócrates afirmando que os jovens “laconômanos” de Atenas eram “socratizados”, ou seja, levados a pensar da mesma forma que ele. Sendo assim, propagava a campanha contra a liberdade e a democracia ateniense.




SEGUNDA PARTE:  A PROVAÇÃO

POR QUE ESPERARAM TANTO?

Este capítulo apresenta as diversas peças em que Sócrates era satirizado, como: As Nuvens e Konnos, dois teatros principais de comédia que levaram prêmios em um festival anual da cidade de Dionísina, terceiro e segundo lugar, respectivamente. Além da peça Os Pássaros, encenada 18 anos antes do julgamento de Sócrates. Estes pensamentos apresentados pelas comédias, mostravam que os concidadãos o consideravam um excêntrico, embora inteligente. Porém, as chamadas “comédias antigas” não foram os principais incentivos que levaram Sócrates ao julgamento, mesmo que pudesse gerar ódio para com ele.
Apesar das diferentes compreensões de deuses que Sócrates, Platão, Xenofonte entres outros e o cidadãos atenienses tinham, o que gerou, realmente, mal-estar entre Sócrates e seus concidadãos, foram suas ideias partidárias e não suas concepções filosóficas ou teológicas. Aparentemente ele desvia a atenção das questões mais relevantes, discutindo sobre religião.


OS TRÊS TERREMOTOS

“Em 411 e em 404, elementos descontentes, em conivência com o inimigo espartano, derrubaram a democracia e estabeleceram ditaduras, instaurando o terror. Em 401 a.C., apenas dois anos antes do julgamento, houve mais uma tentativa de golpe” (Stone, 1988, p.147), estes acontecimentos alarmantes, provavelmente, adiaram a queixa contra Sócrates que já demonstrava suas divergências partidárias.
Sócrates é acusado de participar de conspirações secretas que lutavam contra a democracia, “visam originalmente garantir a eleição de membros partidário oligárquico (...)” (Stone, 1988, p.149), mas uma vez busca salientar a capacidade que ele tinha de incentivar o desejo pelo governo antidemocrático, além dos fatos, como a catástrofe de Siracusa, favorecer outras conspirações dos aristocratas. Quando ele é levado ao julgamento, estas questões estavam presentes na memória do povo ateniense. Porém em sua defesa, encontrou argumento para conseguir provar que nem todos eram aristocratas antidemocráticos.
Diante destes conflitos ocorridos em 411, 404 e 401 esperava de Sócrates uma postura diferente, em relação ao governo da cidade, entretanto, ao que parece, ele não “aprendeu” nada com os fatos, considerado como alguém que vivia nas nuvens.


XENOFONTE, PLATÃO E OS TRÊS TERREMOTOS

Xenofonte e Platão eram adolescentes quando estabeleceu-se a ditadura dos Quatrocentos em 411 a. C.
Xenofonte no livro Memoráveis relata que Sócrates utilizou-se de uma de suas mais ilustres analogias para criticar a ditadura. Apesar das proibições e das críticas que ele sofrera por ensinar os jovens, sendo até proibido de utilizar-se da retórica, continuou sua missão, mesmo que em segredo, apesar dos Trinta estarem pressionando-o. Desde o início do regime, Sócrates não se manifestava efetivamente, no qual poderia ter se tornado um herói, porém ele estava apenas preocupado com as definições absolutas de Justiça, Piedade e etc. além disso, afirma Xenofonte que o próprio Sócrates foi vítima da ditadura.
Platão omitiu alguns pensamentos de Sócrates, como uma forma de conservá-lo das acusações feitas sobre seus pensamentos políticos, e também porque ele provavelmente entraria em contradição com aquilo que acreditava. Ele ainda escreve dois mitos antidemocratas como uma forma de colocar na classe média e nos pobres uma sensação de inferioridade, para assim, se submeterem aos reis-filósofos, que são: Atlântica e a Nobre mentira. Julga ter provado que o absolutismo é a única forma legítima de governo.


O PRINCIPAL ACUSADOR
O principal acusador de Sócrates e Ânito, apesar de não ser o mais famoso que no caso é Meleto, ele era quem realmente tinha peso, pois havia restaurado a democracia, além de Crítias ser a principal testemunha de acusação, no que diz respeito ao “corromper” a juventude. Ânito é um dos líderes ricos de classe que combate em favor da ditadura aristocrática estreita.
Tanto ele quanto Sócrates presavam muito pela formação dos jovens e acabaram gerando rinchas entre si, até mesmo por conta do próprio filho de Ânito, que o afasta com medo de que seja corrompido por pensamentos socráticos, sendo até capaz de fazer com que o filho voltasse contra seu próprio pai.
Este general de guerra do Peloponeso, homem influente, ganha algumas lendas cinco séculos após o julgamento de Sócrates. Segundo o autor, os atenienses com remorso voltaram-se contra os acusadores. Porém esta lenda não procede, pois nem Xenofonte e nem Platão escreveram nada a respeito disso.



COMO SÓCRATES FEZ TUDO PARA HOSTILIZAR O JÚRI

Xenofonte, que não estava presente no julgamento, insistiu com seu mestre para que este preparasse uma defesa eloquente, porque os júris eram influenciados pela retórica. O júri votava duas vezes. Na primeira a margem de diferença foi de 6%, ou seja, 280 votos a favor da morte e 220 contra, caso houvesse empate, 250 para cada lado, ele seria absolvido, porém Sócrates, ao que parece, queria morrer. Escreve Xenofonte: “ E enquanto a Sócrates, ao se exaltar perante o tribunal, ele granjeou má vontade e assegurou a própria condenação”, além de mencionar sua missão privilegiada pelo Oráculo de Delfos.
O fato de Sócrates estar decidido a morrer fica ainda mais claro na segunda parte do julgamento, tendo o condenado o réu, o júri não poderia escolher a pena, deixando a defesa escolher, mas ele recusou-se em escolher qualquer outra contraproposta. Mesmo com a insistência de Críton, ele nega a ir escolhendo a morte, que de uma forma ou outra, ia contra si mesmo. Mas para ele a morte é a realização final, levando a sério seu misticismo.


COMO SÓCRATES PODERIA FACILMENTE TER OBTIDO A ABSOLVIÇÃO

“Quando Atenas processou Sócrates, a cidade se traiu. O paradoxo, a vergonha do julgamento de Sócrates é o fato de uma cidade famosa pela liberdade de expressão (...)” (Stone, 1988, p.201), sendo considerado um julgamento de ideias. Este poderia ser um caminho no qual ele poderia ter se livrado da condenação, mas como vimos nos capítulos anteriores, parece que ele não quer ser absolvido.
A acusação feita a Sócrates referente ao ateísmo não tem um fundamento capaz de acusa-lo a pena de morte, pois, Aristófanes, em suas comédias, debochava dos deuses podendo também ser considerado um ateu, mas o povo ateniense ria de suas peças, dando a interpretação que a impiedade, heresia ou blasfêmia não causasse tanta intolerância neles. Entretanto, sua verdadeira acusação é pelo fato de ele não crer nos “deuses da cidade”, um crime político. Punir um filósofo por causa de suas opiniões certamente não era um modo adequado de honrar a deusa de Persuasão ou Zeus que simbolizava e promovia o debate livre.


O QUE SÓCRATES DEVERIA TER DITO
                                                                                       
Sócrates, em seu discurso diante do júri, poderia ter enfatizado a liberdade de expressão tão quista e defendida pela sociedade ateniense, porque, além disso, ele sendo filósofo estava sempre em busca de respostas, podendo mudar frequentemente seus pensamentos e conceitos, sendo ainda mais necessário a possibilidade de expressar-se livremente.
Ele conclui acusando Ânito de impor a “lei do silêncio” a uma cidade que tinha a liberdade de expressão como fonte de vida. Se Sócrates tivesse recorrido a este tema tão aderido pelos cidadãos atenienses, seria provável que adquiriria respeito por Atenas, e a não a condescendência irônica.
“O que caracteriza a verdadeira liberdade de expressão não é o fato de o dito ou o ensinamento conformar-se a qualquer norma ou governante, seja este um indivíduo ou um colégio (...) A liberdade de discordar é que é a liberdade de expressão”. (Stone, 1988, p. 216), afirma Sócrates.



AS QUATRO PALAVRAS

As palavras usadas denominam o próprio pensamento do indivíduo, por isso o capítulo examina as palavras empregadas pelos homens da época. Descobre-se, então, quatro denominações para a liberdade de expressão, mostrando que o valor que o povo grego dava a isto.
Primeiramente a igualdade política baseava-se no direito de livre expressão, que é representada por duas palavras que contém o termo isos (igual), a saber: isonomia (isonomia), mesmo sentido em português e isotes (igualdade). Além dessas, outras que designam o direito de se exprimir livremente: isegoria e isologia.
Isologia aparece no século III na qual “vigorava em sua assembleia federal, como símbolo de garantia de que as cidades-estados membros tinham plena igualdade política” (Stone, 1988, p.219). Já a palavra isegoria e apresentada por Heródoto quando discorre o papel heroico desempenhado pelos atenienses nas guerras contra os persas, atribuindo sua bravura à conquista de isegoria, ou seja, direito de todos se manifestarem igualmente em assembleia.
Outra palavra que designa liberdade de pensamento em grego é parrhesia, que aparece pela primeira vez em Eurípides, trata-se de uma palavra cunhada de dois sentidos: um deles era a pessoal: franqueza, sinceridade; o outro era político: liberdade de expressão.


A QUESTÃO FINAL

Sócrates poderia ter argumentado que as Leis rompiam o contrato, exigindo a liberdade de expressão, o cidadão não lhe devia mais nenhuma obrigação. “Ao perder o direito de persuadir, ele ganhava o direito de resistir” (Stone, 1988, p.229), ou seja, que as Leis negaram a ele tal liberdade. Entretanto, nem Platão e nem Xenofonte mencionam, em seus escritos, ao referente a este conceito, apontando que para Sócrates isto não teria tanta importância assim.
Ele não defende a liberdade, pois não vê sentido em um escravo ter o mesmo “valor” de expressão que o seu dono que pagou por ele. Talvez seja porque no fundo não aceite a democracia, assim não queria que a democracia obtivesse uma vitória libertando-o, fazendo de tudo para que fosse condenado, seja não se defender ou atacar o júri.


EPÍLOGO
TERIA HAVIDO UMA CAÇA ÀS BRUXAS EM ATENAS?

            A idade de ouro ateniense também se caracterizou pelo banimento de estudiosos, como Protágoras, Anaxágoras, Diágoras, além da repressão do pensamento e na queima de livros. Sócrates poderia ter seguido o mesmo caminho aceitando a pena de banimento, mas preferiu ficar e tomar cicuta.
            A peça feita por Plutarco, a Vida de Péricles, causou polêmica ao satirizar a lei que proibia não acreditar no sobrenatural e ensinar astronomia, lei que teria sido proposta por Diopites, que constituía em uma exceção gritante à legislação e às tradições atenienses. Reforçando mais ainda a rigidez deste período. Além disso, escreveu a Vida de Nícias mostrando o quanto o povo ateniense era supersticioso. Por isso, gera dúvidas a respeito das condenações de Protágoras e Anaxágoras, pois, estes filósofos estudavam sobre a astronomia, mas não há certeza a respeito de suas condenações.
SÓCRATES: HERÓI OU BANDIDO?

            Considera-se Sócrates como um dos maiores personagens da história, por tudo que contribuiu em seus ensinamentos. É, pois, representado de diferentes visões, seja de maneira mitificada, como é apresentado por Platão, “reduzida” como diz Xenofonte, ou demasiado cômico e ridicularizado, como Aristófanes o descreve.
            Havia divergências entre Sócrates e a Pólis, uma delas era a respeito à “duas questões que para Sócrates- mas não para sua cidade- estavam inextricavelmente associadas: o que era a Virtude? (...) isso levantava a segunda pergunta: o que é o conhecimento? ” (Stone, 1988, p.54). Seus ideais entravam em conflito com a situação atual de Atenas, em que, muitas vezes sua intenção era ridicularizar a democracia, porque ele acreditava em outro ideal de governo, a aristocracia. Entretanto, muitas vezes é ele que se torna ridículo perante suas colocações, apresentando uma maneira arrogante no falar, principalmente quando trata-se da suposta missão recebida pelo oráculo de Delfos, que o definiu como o mais sábio de todos os homens.
            Ele é admirado por seu inconformismo, ou seja, busca constantemente responder da melhor forma aos problemas apresentados, mas poucos se dão conta que ele se rebelava contra uma sociedade aberta e admirava uma sociedade fechada, como Creta e Esparta. “Aristófanes personifica a imagem de Sócrates a de um espartano, pela sua maneira de vestir-se, comportar-se e pensar a política” (Stone, 1988, p.132).
            As acusações na qual Sócrates recebeu e foi condenado à morte, pode, em primeiro momento, dar a intenção de haver injustiça para com ele, porém seus ideais divergiam das de seus concidadãos, que também visavam o bem da Pólis, fazendo com que ele parecesse um rebelde que lutava contra a democracia, e de fato o era, mas buscava o bem comum. Segundo Platão, “seu herói viveu e morreu de acordo com seus princípios” (Stone, 1988, p.233), acreditando que aquilo que ele propunha era o essencial.
            Em contrapartida, “ele não iria querer que a democracia por ele rejeitada obtivesse uma vitória moral- libertando-o da prisão” (Stone, 1988, p.233), então reluta para não ser libertado, não acatando nenhuma outra possibilidade de condenação, como a exclusão da cidade, ou o pagamento de fiança. Ele não se justifica, pelo contrário, enfrenta o júri de modo sarcástico, pois, como um mestre da retórica poderia convencê-los a libertá-lo.
            Assim, não cabe culpa-lo ou condená-lo diante dos pressupostos apresentados, pois ele como um cidadão tinha o direito da liberdade de expressão, mas também o compromisso com a Pólis visando o bem comum. Seja incompreendido, ou não, precisava caminhar ao lado de seus concidadãos.

                                                                

CONCLUSÃO

            É notório que a priori entenda-se o julgamento feito a Sócrates de forma injusta como sendo a penal capital, mera incoerência. Entretanto há possibilidades de questionamentos a respeito de uma mitificação em torno dele, que pode ter sido um gênio, um subversor ou nenhuma das duas coisas, ou apenas mais um homem como qualquer um, incomparável a qualquer um outro.
            Seus ideias diversos dos que eram apresentados, obtiveram suas consequências que foi o julgamento, onde poderia ter evitado a morte, porém comprometido com a verdade que ele apresentava, não quis evita-la, não fazendo-o um herói, ou um bandido, mas um personagem histórico que deixou marcas profundas na filosofia e em outras diversas áreas.





A ÉTICA KANTIANA E O REGIME TOTALITÁRIO: A PERSPECTIVA DA AÇÃO MORAL FRENTE AO TOTALITARISMO


A ÉTICA KANTIANA E O REGIME TOTALITÁRIO: A PERSPECTIVA DA AÇÃO MORAL FRENTE AO TOTALITARISMO
Eduardo Willian da Silva[1]
Prof. Dr. José Marcos Miné Vanzella[2]


RESUMO

O presente estudo apresenta e analisa a ética kantiana e o regime totalitário, e como se dá a ação do indivíduo mediante essa perspectiva. Procurou-se demonstrar as contribuições que Kant faz em detrimento às leis estabelecidas pelo governo, que viabilizaram a luta em prol da ascensão de um povo, marginalizando todos aqueles que impediam tal progresso. Utilizou-se como metodologia a revisão bibliográfica, por meio da leitura de textos, artigos e livros concernentes ao tema, tais como A Origem do Totalitarismo, A Condição Humana, além dos livros- A Crítica da Razão Pura e A Crítica da Razão Prática de Kant, bem como do comentador Miguel Reale. (Primeiramente, aborda-se um breve conceito de como se desenvolve a ética kantiana- para situar o leitor- sobre o pensamento do filósofo e, posteriormente, discute-se sobre a atuação dos indivíduos no contexto de leis e das normas estabelecidos pelo regime totalitário, para assim tratar de tais condições). O objetivo principal é mostrar a importância do pensamento kantiano nessa atuação, a qual apontou caminhos de contraposição ao pensamento totalitário, uma vez que este impõe a forma como o indivíduo deve agir.
Palavras-chave: Kant, Regime Totalitário, Ética, Dignidade Humana.


INTRODUÇÃO

O pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant (1724- 1804) a respeito da ética é, ainda hoje, profundamente estudado, visto que está presente em muitos filósofos, as noções kantianas de autonomia, ética, moral, etc. Isto é perceptível, por exemplo, em filósofos como Johann Gottliebe Fichte, Friedrich Wilhelm Joseph Von Schelling, Arthur Schopenhauer, dentre outros. Considera-se, aliás, o pensamento de Kant como o primeiro a sintetizar o Racionalismo e o Empirismo presentes no séc. XVIII. Tudo isso a partir do livro de Kant -intitulado A fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), que segundo os especialistas é uma das mais importantes obras já escrita sobre a moral. Obra, aliás, que será abordado neste artigo.
            A ética, para Kant, é considerada, como um dever, isto é, aquilo que os homens são obrigados a seguirem para estabelecer uma lei moral. Isso porque os homens são seres sociais regidos por deveres, os quais fundamentam a ação moral. Tal modelo teórico kantiano é tratado nos seus livros e estimula tal importância, não somente a compreensão desse tema, mas a atuação dele.
            Com isso, o que se quer analisar neste artigo é a importância deste conceito, ou seja: A ação ética do indivíduo, diante de um idealismo[3] que impõem condições no modo de agir do homem, seja direta ou indiretamente, sobrepondo, muitas vezes, o bem-estar e a dignidade dos que não seguem ou são oprimidos por tais ideais. Assim, busca-se discutir a ação de inúmeras pessoas coagidas pelas propagandas partidárias.
            Desta forma, o pensamento de Kant será apresentado primeira em relação à ética e, em seguida, em relação à questão da ética e a sua forma de aplicação diante do regime totalitário e confrontá-lo. Além disso, discute-se a possibilidade de uma distorção da ação moral como geradora de desvalorização da dignidade humana. Por fim, destacam-se os caminhos os quais, contrário ao pensamento do governo totalitário, algumas pessoas tomaram como resposta aos problemas enfrentados.




           
1 A ÉTICA KANTIANA: UMA INTRODUÇÃO A PARTIR DA FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES

Para o entendimento do conceito do Imperativo Categórico é necessário entender a noção de como Kant desenvolve seu pensamento a respeito do conhecimento, ou seja, como ele pensa a razão e como ele, desenvolve este conceito.
Para isso, Kant busca conciliar seu pensamento diante de um Racionalismo Cartesiano[4], e se utiliza deu seu criticismo, como tentativa dessa conciliação. Passa, assim, a delimitar o conhecimento humano, pois, para ele não se pode tratar da hipótese como verdade, deve-se sempre buscar fundamentos seguros para a ciência, ou seja, a experimentação. Desta forma, afirma que a razão humana não pode limitar-se à experiência, mas deve conceber realidades transcendentais. Para Roger Scruton, “Kant acreditava que nem o empirista nem o racionalista podiam prover uma teoria coerente do conhecimento” (SCRUTON, 1981, p.144). No entanto, deve buscar-se um equilíbrio entre essas duas formas de conhecimento:

O primeiro, que Sobrepõe a experiência ao entendimento, priva-se dos conceitos com que poderia descrever a experiência (pois nenhum conceito pode ser derivado da experiência como mera "abstração"); o segundo, que enfatiza o entendimento à custa da experiência, priva-se do próprio objeto de conhecimento. O conhecimento é obtido por meio de uma síntese de conceito e experiência (SCRUTON, 1981, p.144).

Surge, então, a teoria dos juízos como resposta à forma de conhecimento que, em Kant, pode ser apresentada de três formas básicas, a saber: Juízo analítico, juízo sintético e o juízo analítico a priori, especificamente. Na primeira, o Juízo analítico, o predicado está sempre contido no sujeito, será sempre um predicado seguro, lógico e ligado à matemática. Não é um conhecimento que explicita novos conhecimentos, mas que busca tirar todas as possibilidades dos acréscimos, mantendo-o tal como é. Na segunda, com o Juízo Sintético, acrescenta-se algo ao sujeito, que tem mais a ver com o Empirismo, isto é, com as sensações e as percepções, este pensamento explicita novos conhecimentos, tirando do próprio corpo extenso aquilo que não se percebeu. Porém, não é uma forma segura para desenvolver o conhecimento. Apresenta-se, então, por terceiro, o juízo sintético a priori, tanto na dedução quanto na experiência, como uma forma do conhecimento conseguir ser reinterpretado, superando a dicotomia entre o Racionalismo e o Empirismo (KANT, 2001).
Em Kant, apresenta-se no conhecimento racional, as categorias: material e formal. A formal não possui parte empírica, é puramente lógica. Entretanto, a material é estritamente física (objetos matérias, leis que os regem) e ética (leis que regem a liberdade e o agir humano) e, prioritariamente, empírica. Assim, tem-se o entendimento da concepção de razão dm Kant que é base do Imperativo Categórico. Ademais, o filósofo alemão passa a tratar da ação moral do homem, baseando-se na sua concepção de razão.
A metafísica que Kant faz, como investigações a determinados objetos do entendimento, classifica-se em duas metafísicas: natureza e costumes. Quanto ao costume, busca identificar uma filosofia pura moral abstraindo o caráter particular e contingente, a fim de estabelecer “princípios apodíticos”, ou seja, com validade universal, presente também no conhecimento analítico a priori (KANT, 2001, p. 96). Tem-se, então, a filosofia moral, que, segundo Kant, deve apoiar-se na parte pura, de forma lógica e racional. Assim, um ato moral deve ter por base o necessário e o universal, livre de condições empíricas. De acordo com Kant: “Agir de tal modo que a máxima da nossa ação possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal” (KANT, 2007, p. 31).
Para o filósofo alemão, o dever é tudo aquilo que os homens são obrigados a seguirem para estabelecer uma lei moral, pois são seres sociais regidos por deveres, os quais fundamentaram a ação moral (KANT, 2007, p. 74). Quando Kant trata de dever, aborda as múltiplas formas, a saber: (a) o agir por dever, ou seja, toda e qualquer tipo de ação fundamentada em uma lei, são ações feitas por dever, cumpre o dever porque é correto faze-lo. A única motivação é o dever pelo dever, não mentir porque é um ato errado; (b) o agir conforme o dever. Ações conforme ao dever, ou seja, cumpre conforme o dever não porque é correto, mas porque obterá bons resultados, ou por medo das penalidades; (c) o agir contrário ao dever, transgredindo a lei de forma arbitrária, em outras palavras, pela liberdade do homem.
         De acordo com Reale: “Chama-se Imperativo porque é uma determinação, uma ordem, e Categórico porque é uma ideia de dever universalizador” (REALE, 2007, p. 387). É, pois, um dever que as pessoas têm de agir, baseado em princípios que desejariam que fossem aplicados universalmente. Somente um ser racional tem a capacidade de agir conforme a lei, isto é, pelos princípios, mesmo sob influência de suas inclinações, que segundo Kant: “[...] é fundamental para ele a noção de dever:  A razão ordena ao homem que sua ação seja pensada por dever a ela, e não pautada por suas inclinações” (KANT, 2011, p. 26). A essa norma emprega-se o conceito de ética deontológica, ou seja, a ética do dever.
            Além do Imperativo Categórico, há o Imperativo Hipotético, também conhecido como Imperativo Condicional, ou seja, uma ação é boa quando visa um propósito. É, pois, um meio para alcançar um fim. Assim, ela é condicional, sem se preocupar com a universalidade das ações. São impulsos para com os quais a origem está ligada às necessidades da própria existência, como: comer, mover-se, comunicar-se, dentre outros. Trabalha, então, a relação de causa e efeito, mas só tem valor quando atinge o fim particular.
            Ademais, o Imperativo Categórico interpretado dentro de um contexto político, bem como o regime totalitário busca compreender como o indivíduo deve agir, e como esta ação é entendida sob condições nas quais não favorecem o uso da razão (Boa Vontade), o que, para Kant, é a base da ética, e, neste caso, deontológico. Assim, o indivíduo coagido a cumprir uma lei estabelecida por um regime, no qual se utiliza de inúmeros recursos para difundir seus ideais, age por dever ou ao dever? Entende-se a ação como “agir ao dever”, pois a ação do indivíduo de fruto de influências externas.


2 O REGIME TOTALITÁRIO

Após o fim da Primeira Guerra Mundial[5] (1914), muitos países como a Alemanha, a Itália, a França, e muitos aliados, enfraqueceram financeira, econômica e politicamente. Os cidadãos desses países atingidos pela guerra perderam a esperança nos regimes liberais e também nos regimes democráticos, fazendo com que muitos aderissem ou à extrema direita ou à extrema esquerda. Tem-se, então, o surgimento do Regime Totalitário como tentativa de resposta aos problemas causados pela guerra.
Neste período houve grande apoio da população, para com esse regime, pois visava a melhoria da política e da economia dos países que estavam desestruturados, tornando-se uma “causa popular”. Surge, então, o Totalitarismo, que tinha por características o culto ao líder, ao partido único, ao militarismo, ao nacionalismo e ao culto do Estado, ou seja, à concentração de poder na mão de um único governante. Logo, não houve espaço para a democracia ou para os direitos individuais, mesmo com os três poderes funcionando, o legislativo, o executivo e o judiciário, contudo limitados pela ação do governante[6].
Outra grande característica do partido Totalitário era a propaganda. Para Hannah Arendt, a propaganda era “[...] um instrumento do totalitarismo, possivelmente o mais importante, para enfrentar o mundo não-totalitário (ARENDT, 1979, p. 392).  Pois, assim, tal regime consegue fazer com que inúmeras pessoas adiram ao próprio pensamento:
Por existirem num mundo que não é totalitário, os movimentos totalitários são forçados a recorrer ao que comumente chamamos de propaganda. Más essa propaganda é sempre dirigida a um público de fora — sejam as camadas não-totalitárias da população do próprio país, sejam os países não-totalitários do exterior (ARENDT, 1979, p. 390).


Dois grandes Regimes Totalitários, como Fascismo[7] e o Nazismo[8], desencadearam uma avalanche de leis e decretos após a ascensão no poder político, tendo sempre em vista uma reorganização político-econômica. Ou seja, as leis foram criadas em vista de um bem comum, de um determinado país, no caso da Itália e da Alemanha. Vê-se, então, a possibilidade do comprimento da lei como normativa de conduta ética. Segundo Arendt:

[...] para os nazistas o Estado total não deve reconhecer qualquer diferença entre a lei e a ética, porque, quando se presume que a lei em vigor é idêntica à ética comum que emana da consciência de todos, então não há mais necessidade de decretos públicos” (ARENDT, 1979, p. 452).

Voltando a Kant, vê-se ele refutar a doutrina do absolutismo moral, que sustenta a existência de normas absolutas de conduta que resultam em comportamentos “certos” e “errados”, qualquer que seja o contexto. A resposta ao absolutismo moral é o emprego do Imperativo Categórico, uma regra segundo o qual o homem deveria agir eticamente, cuja ação, ao mesmo tempo, o indivíduo possa desejar que se torne uma lei universal.
O Imperativo Categórico kantiano, aqui exercido dentro do partido totalitário, ordena ao homem que sua ação seja pensada por dever a ela, e não pautada por suas inclinações (cf. KANT, 2007, p. 56). Entretanto, é necessário que o indivíduo pense racionalmente nas suas ações e, no regime totalitário, diante da propaganda realizado pelo mesmo regime, que acaba por “alienar” os cidadãos, tirando-lhes a possibilidade de realizar a lei objetiva. Ou seja, esta que não dá a possibilidade de ser aplicada a todos, agindo pela lei e não pela conformidade da lei. A máxima é o querer subjetivo, o praticar a lei tendo a possibilidade de ser aplicada a todos. Assim, agir por dever é a junção desta máxima subjetiva com a ação por dever. Sobre esse aspecto Reale afirma:
Para Kant não basta que uma ação seja feita segundo a lei, ou seja, em conformidade com a lei. Neste caso, a ação poderia ser simplesmente "legal" (feita em conformidade com a lei) e não "moral". Para ser moral, a vontade que está na base da ação, deve ser determinada "imediatamente" só pela lei. Se faço caridade aos pobres por puro dever, faço uma ação moral; se a faço por compaixão (que é um sentimento estranho ao dever) ou para me mostrar generoso (o que é mera vaidade), faço uma ação simplesmente legal ou até hipócrita. Está claro que, como ser sensível, o homem não pode prescindir dos sentimentos e das emoções. Mas, quando eles irrompem na ação moral, só podem macula-la: e são perigosos até quando impelem no sentido indicado pelo "dever", precisamente porque há o risco de fazerem a ação cair do plano moral para o plano puramente legal (REALE, 2007, p. 385).

Logo, diante dos estabelecimentos das leis do regime totalitário, é necessário, para Kant, que o sujeito aja por dever, racionalmente, pois toda e qualquer tipo de ação fundamentada em uma lei, bem como matar e roubar são ações feitas ao dever. A pressão externa e as propagandas, as necessidades financeiras do país, o medo, de entre outros problemas, influenciavam as ações dos cidadãos, apesar de que se verifica nos Regimes Totalitários rígidos o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas leis. Para Heinrich Himmler “a minha honra é a minha lealdade”[9], mas de forma que não leve em conta a Boa Vontade. Assim, em detrimento ao pensamento kantiano, percebe-se uma deturpação no que se refere ao agir ético, pois, a lealdade à lei, não garante um agir moral:

Distinguem-se dos outros partidos e movimentos pela exigência de lealdade total, irrestrita, incondicional e inalterável de cada membro individual. Essa exigência é feita pelos líderes dos movimentos totalitários mesmo antes de tomarem o poder e decorre da alegação, já contida em sua ideologia, de que a organização abrangerá, no devido tempo, toda a raça humana (AREDNT, 1979, p.373).

            Assim, parece que no Regime totalitário as ações realizadas, como entregar aos “cuidados dos Estado” os próprios filhos, parentes e amigos, no caso do nazismo, por serem judeus, é uma ação exercida ao dever e não pelo dever, pois as leis estabelecidas pelo governo, a ponto de não haver necessidade de decretos públicos, os cidadãos tinham pela consciência do usa da ação (ARENDT, 1979, p. 428). Isso visava a contribuição do “bem comum”, neste caso a reestruturação do país, fundando na inclinação, Imperativo Hipotético, no qual Kant não vê como uma ação puramente ética.
            Porém, gera uma problemática, uma vez que o cumprimento da lei ao dever e não pelo dever, passa a anular dignidade das pessoas, torna-se, um agir antiético, na qual visa somente tal cumprimento, independentemente das consequências que possam emergir, bem como a morte de inúmeras pessoas. Assim, exercer a lei era uma possibilidade de não valorização da pessoa em si. Porém, apenas o cumprimento das leis que importava.


3 A AÇÃO ANTIÉTICA COMO POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DO INDIVÍDUO

O holocausto da Segunda Guerra Mundial, foi o assassinato em massa, premeditado, de milhões de pessoas inocentes, incentivado por uma ideologia racista capaz de influenciar as ações de inúmeras pessoas que aderiram a este pensamento.  O principal alvo de extermino em prol da purificação germânica foram os judeus. Considerados como uma religião irrelevante, os judeus eram considerados como “vermes parasitas” (Enciclopédia do Holocausto) que deveriam ser eliminados. Assim, deram origem ao genocídio em uma escala sem igual, aproximadamente, seis milhões de judeus. Na interpretação kantiana, as inúmeras pessoas que participaram deste massacre agiam ao dever, seguindo as suas inclinações. Entretanto era um agir perfeitamente ético, para o partido, mas profundamente imoral no pensar kantiano.

Quero por amor humano conceder que ainda a maior parte das nossas acções são conformes ao dever; mas se examinarmos mais de perto as suas aspirações e esforços, toparemos por toda a parte o querido Eu que sempre sobressai, e é nele, e não no severo mandamento do dever que muitas vezes exigiria a auto-renúncia, que a sua intenção se apoia (KANT, 2007, p.42).


No pensamento de Kant, a ética subjetiva ignora a responsabilidade social, pois o indivíduo está voltado apenas para si mesmo (cf. KANT, 2007, p.99), ou seja, os interesses pessoais, aqui se tratando de um regime político, leva a desconsiderar qualquer filosofia, qualquer religião, ou qualquer pensamento que seja contrário aos próprios. Assim, nada deve esperar da inclinação dos homens, e tudo do poder supremo da lei e do respeito que lhe é devido, ou então, em caso contrário, condenar o homem ao desprezo de si mesmo e à execração íntima (Kant, 2007). Com base no pensamento kantiano, é nítido perceber que mesmo aqueles que julgavam agir conforme as leis, ou seja, cumprindo o dever de cidadão alemão, agia influenciado pela propaganda, tirando muitas vezes a capacidade de escolha por si só, pois o pensamento já estava enraizado, ou até mesmo moldado segundo as inclinações de outrem.
            Diante de tantas ações, no primeiro momento considerado ético, há enorme desvalorização dos cidadãos considerados impuros. Com a propaganda fortemente aplicada se desvalorizou os negros, os idosos, os judeus e os deficientes mentais que “manchavam a pureza ariana”, estes viviam em guetos, para serem isolados dos demais. Tirando-lhes o que era mais precioso, o direito de ser cidadão. Sobre isso, Arendt comenta: “O homem pode perder todos os chamados Direitos do Homem sem perder a sua qualidade essencial de homem, sua dignidade humana. Só a perda da própria comunidade é que o expulsa da humanidade” (ARENDT, 1979, p. 317). Assim, afirma-se que a “ética” proposta pelo partido Totalitário, confrontada com base no pensamento kantiano, excluía todos aqueles que maculavam a honra ariana. Assim, faziam tudo quando podiam para salvaguardar este ideal. Hitler coagido por sua própria inclinação, e os seguidores, os nazistas, pela do governante, e as demais pessoas pela influência da propaganda.

O que as ideologias totalitárias visam, portanto, não é a transformação do mundo exterior ou a transmutação revolucionária da sociedade, mas a transformação da própria natureza humana. Os campos de concentração constituem os laboratórios onde mudanças na natureza humana são testadas, e, portanto, a infâmia não atinge apenas os presos e aqueles que os administram segundo critérios estritamente "científicos"; atinge a todos os homens (ARENDT, 1949, p 509).
           
Entretanto, surgiram pessoas como Oskar Schindler[10], Nicholas Winston[11], Raoul Wallenberg[12], entre outros, que agiram conforme o Imperativo Categórico kantiano, ou seja, as ações eram realizadas tendo a pessoa humana como fim e não como meio, contrapondo o que alguns faziam mediante a coação do Regime Totalitário, considerando, muitas vezes, suas ações como antiéticas, pois contrariavam o ideal partidário. Assim, tem-se uma inversão da compreensão de ética, segundo o pensamento de Kant, pois aqueles que agiam segundo o pensamento acreditavam estarem tendo uma ação correta e ética. Todavia, aqueles que em prol do bem-estar do outro, não agiam conforme o governo eram denominados antiéticos, correndo o risco de serem punidos e até mesmo mortos. Ou seja, para Arendt: “o respeito à dignidade humana implica o reconhecimento de todos os homens ou de todas as nações como entidades, como construtores de mundos ou co-autores de um mundo comum” (ARENDT, 1979, p. 509).
            Em suma, a ética kantiana confronta o idealismo totalitário uma vez que este descarta a ação moral da pessoa. Neste sistema, a boa vontade -condição indispensável para uma ação moral, ou seja, o que irá mover a ação-, pois influencia os autores das ações, tirando-lhes o caráter de valor próprio, pois não é governada pela razão (cf. KANT, 2007, p. 35). Assim, tem-se ações pautadas por inclinações e esta é capaz de desconsiderar tudo aquilo que não esteja conforme a vontade própria, colocando, muitas vezes, o ser humano como objeto e não finalidade das ações, pois quando age de acordo com desejos, emoções e inclinações, está, simplesmente, respondendo às necessidades físicas, da mesma forma que os animais (LUNARDI, 2001). Portanto, o agir moral deve ser sempre livre de inclinações e pautada na Boa Vontade.
           

CONCLUSÃO

            Após as reflexões apresentadas sobre o conceito de ética para Kant, e, posteriormente, como ele se desenvolve e questiona perante o idealismo de um partido Totalitário, destaca-se a sua importância e a sua colaboração para uma melhor compreensão das ações realizadas pelos líderes partidários e daqueles que seguiam este pensamento.
            Salientou-se que o ser racional nunca poderá ser meio para alcançar fins pessoais ou coletivos e também que ações realizadas por inclinações próprias, ou influenciadas externamente, tira o valor moral do ato, fazendo-o ser considerado como ações ao dever. Ou seja, com benefícios próprios, sendo capaz de realizar qualquer tipo de ato, bem como de matar, expulsar, mentir, entre outros, em prol de si mesmo.
            Assim, como afirma Kant, a moralidade é a relação das ações com a autonomia da vontade, ou seja, sem pressões internas, inclinações, e externas, como as propagandas faziam com os cidadãos alemãs, influenciando-os em suas ações. Para isso é necessário que o sujeito da ação vise sempre como fim o ser humano e não o utilizar como meio. O antissemitismo (não apenas o ódio aos judeus), o imperialismo (não apenas a conquista) e o totalitarismo (não apenas a ditadura) — um após o outro, um mais brutalmente que o outro — demonstraram que a dignidade humana precisava de nova garantia, somente encontrável em novos princípios políticos, cuja vigência desta vez alcance toda a humanidade, como salienta Arendt.



REFERÊNCIAS


ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.

______. Origens do Totalitarismo. 5.ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1979.  

GARCIA, Cláudio Boeira. Compromisso com o mundo. Revista Philósophos. v. 11, n. 1, p. 49-69, jan./jun. 2006. Disponível em: << http://www.revistas.ufg.br/index.php/philosophos/article/view/3705/346 >> Acessado em: 26 de abril de 2018.

KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 1ªed. Trad. Edições. 2007.

______. Crítica da Razão Prática. Tradução de Rodolfo Schaefer. – 3.ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.

______. Crítica da Razão Pura Trad. Manuela dos Santos e Alexandre Morujão. – 5ª ed. São Paulo: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

LUNARDI, Giovani Mendonça, A fundamentação moral dos direitos humanos. Revista Katálysis. vol.14, n.2, pp. 201-209, 2011.

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 9.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

SCRUTON, Roger. Introdução à Filosofia Moderna -  De Descartes a Wittgenstein. 1.ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores S.A, 1981.

United States Holocaust Memorial Museum. Enciclopédia do Holocausto. Disponível em: << https://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10007961 >> Acessado em: 26 de abril de 2018.



[1] Aluno do primeiro ano do Bacharelado em Filosofia do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL. E-mail: eduardo.bsp@salesianos.com.br. 
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3351873445280250.
[2] Professor Doutor do curso de Filosofia do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL. E-mail: enimine@gmail.com.
[3] Idealismo partidário é uma teoria filosófica em que o mundo material, objetivo, exterior só pode ser compreendido plenamente a partir de sua verdade espiritual, mental ou objetiva. É, também, uma propensão a idealizar a realidade ou a deixar-se guiar mais por ideais do que por considerações práticas. (Dicionário de Filosofia).
[4] O racionalismo cartesiano é um pensamento estabelecido por Descartes em suas obras o “Discurso do Método” (1637) e “Meditações Metafísicas” (1641), onde expressa sua preocupação com o problema do conhecimento. O ponto de partida é a busca de uma verdade primeira que não possa ser posta em dúvida (Dicionário de Filosofia)
[5] Chamado “Período entre Guerras”, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
[6] Enciclopédia do Holocausto.
[7] Surge na Itália como uma milícia dos “camisas pretas” em 1919, afim de lutar pela economia, por emprego e outros direitos. Porém, apenas em 1922, no qual realiza-se a “Marcha sobre Roma”, mostra-se o poder do partido. Após isso, Mussoline é eleito como primeiro ministro (GARCIA, 2018).
[8] Surge com Hitler, mas a na primeira tentativa é marcada pela frustração, e ele é preso. Somente em 1929, Hitler consegue chegar ao poder. A chegada dos nazistas ao poder colocou fim à República de Weimar, uma democracia parlamentar estabelecida na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. Com a nomeação de Adolf Hitler como chanceler, em 30 de janeiro de 1933, a Alemanha nazista (também chamada de Terceiro Reich) rapidamente tornou-se um regime no qual os alemães não possuíam direitos básicos garantidos. Após um incêndio suspeito no Reichstag, o parlamento alemão, em 28 de fevereiro de 1933, o governo criou um decreto que suspendia os direitos civis constitucionais e declarou estado de emergência, durante o qual os decretos governamentais podiam ser executados sem aprovação parlamentar (Enciclopédia do Holocausto).
[9] Formulado pelo próprio Himmler, é difícil de traduzir. Em alemão, Meine Ehre heisst Treue indica uma devoção e uma obediência absoluta, que transcendem o significado da mera disciplina ou fidelidade pessoal. Nazi conspiracy, cujas traduções de documentos alemães e da literatura nazista são uma fonte indispensável de material, mas que, infelizmente, são muito irregulares, traduz a senha da SS como "Minha honra significa fidelidade" (V, 346).
[10] Schindler comprou de judeus destituídos uma indústria de utensílios esmaltados e a reinaugurou com o nome de Emalia. Nela, passou a empregar judeus, fornecendo moradia e segurança, mantendo-os longe dos nazistas. Diversas vezes, interviu pessoalmente para proteger os funcionários. Mesmo quem trabalhava em outros lugares começou a se abrigar na Emalia. (Enciclopédia do Holocausto).
[11] Winston foi para Praga, República Tcheca em 1939 a convite de um amigo que trabalhava na embaixada britânica e ficou chocado com a violência que os seguidores do judaísmo sofriam por lá. Passou a escrever, por conta própria, para vários países em busca de um refúgio para crianças de famílias perseguidas. Quando a Inglaterra e a Suécia aceitaram colaborar, ele organizou toda a viagem, levantando fundos, encontrando famílias adotivas e cuidando da parte burocrática. (Enciclopédia do Holocausto).
[12]Wallenberg atuou como secretário da missão sueca em Budapeste durante seis meses em 1944. Montou uma equipe de 400 funcionários (mais da metade, judeus) para emitir milhares de passaportes para que eles escapassem para outros países. Além disso, instalou hospitais, berçários e cozinhas coletivas para essa população. E com um "código secreto": todos esses prédios eram pintados de amarelo para que judeus os identificassem. (Enciclopédia do Holocausto).