domingo, 23 de dezembro de 2018

ANÁLISE SOBRE APARENTE CONTRADIÇÃO NA OBRA PRINCÍPIOS NA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL EM CONFRONTO COM FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES KANTIANA


ANÁLISE SOBRE APARENTE CONTRADIÇÃO NA OBRA

 PRINCÍPIOS NA FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL EM CONFRONTO COM FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES KANTIANA


                                                                                          Victor Bruno de Souza Sermarini[1]

RESUMO

Este artigo tem como objetivo levantar questionamentos sobre a obra Princípios na filosofia do direito de Hegel, a partir de seu próprio argumento sobre a filosofia e o tempo, também com uma pequena comparação com a moral a priori kantiana. Analisando recortes da introdução da obra e de maneira geral a intenção de seus escritos.

Palavras-chave: Hegel. Moral. Kant. Contradição.

INTRODUÇÃO

É de comum acordo, hoje, que não se pode julgar o passado com as ideias da atualidade. Isso porque se sabe que o homem transforma seu conhecimento em relação com a dignidade e liberdade dos indivíduos no decorrer do tempo. Como aconteceu com a escravidão por exemplo. Obviamente hoje não se vê com bons olhos o fato, porém se sabe que não se pode julgar todos que tinham escravos como as piores pessoas do mundo por tê-los. O fato sim, mas as pessoas é um processo complicado.
Hegel afirma que cada ser humano responde ao seu próprio tempo, justamente por estar inserido nele. Porém, parece que mesmo tendo conhecimento disso e defendendo a ideia, o filósofo quis estabelecer conceitos eternos para sociedade, como se tivesse encontrado uma resposta geral para todo o sempre.
Para esse trabalho, levou-se em consideração a obra de Kant a Fundamentação da metafísica dos costumes, também a própria obra de Hegel, Princípios na filosofia do direito, analisando suas ideias em geral.  Isso porque aparentemente um processo mais minucioso não caberia em um trabalho desse tipo, e muito menos para alguém que está disposto em manter a própria vida dentro da normalidade e não da loucura. Por isso, a intenção desse artigo é de apontar possíveis sugestões de esclarecimentos para o futuro, e, de maneira alguma, está convencido de ter encontrado qualquer tipo de falha em um trabalho tão complexo. Ou seja, tem como intuito simplesmente apontar algumas possíveis estranhezas no discurso do filósofo, que aparentam em si mesmas estarem equivocadas. Com isso, é dispensável muitas citações de especialistas, pois: Os apontamentos estão dentro do próprio texto de Hegel e por não ser intenção aqui, encontrar respostas para tal problemática.

1       Interlocuções do autor

O filósofo no prefácio da obra faz seus devidos comentários, esses tipicamente de qualquer filósofo que acredita no que está fazendo. Aparentemente ele descobriu algo além da sabedoria da época que mereça ser ensinado a todos os homens. Obviamente toda sua sistematização sobre o direito é sua real intenção para a obra, deixando claro logo no início: “O primeiro motivo que me levou a publicar este esboço foi a necessidade de oferecer aos meus ouvintes um fio condutor para as lições que oficialmente ministro sobre a Filosofia do Direito”. (HEGEL, 1997, p. XXIII).
A afirmação central, realizada pelo filósofo, desse artigo é a que ele afirma ser impossível para o homem transcender para fora de seu tempo e criar uma filosofia universal, pois o homem é filho de se próprio tempo, como se segue:

A missão da filosofia está em conceber o que é, porque o que é é a razão. No que se refere aos indivíduos, cada um é filho do seu tempo; assim também para a filosofia que, no pensamento, pensa o seu tempo. Tão grande loucura é imaginar que uma filosofia ultrapassará o mundo contemporâneo como acreditar que um indivíduo saltará para fora do seu tempo, transporá Rhodus. Se uma teoria ultrapassar estes limites, se construir um mundo tal como entenda dever ser, este mundo existe decerto, mas apenas na opinião, que é um elemento inconsciente sempre pronto a adaptar-se a qualquer forma. (HEGEL, 1997, p. XXVII).
 
Não há nenhum problema até aqui. Também é possível dizer que essa é uma das mais belas conclusões que o filósofo chega. Ela é de fácil entendimento: o homem sendo fruto de seu tempo dará respostas para o tempo em que vive. Por isso, para ele a verdade está sempre se movimentando e se transformando. Hegel posteriormente, e aqui se inicia as observações de contradição, também afirma que os filósofos acabam por discutir sempre a mesma coisa da mesma maneira, como se segue:
Aqueles que parecem mais preocupados com o que há de mais profundo, esses poderão decerto dizer que a forma é algo de exterior e alheio à natureza da coisa, e esta é tudo o que importa; poderão dizer que a missão do escritor, e sobretudo do filósofo, é descobrir verdades, afirmar verdades, divulgar verdades e conceitos válidos. Mas, se depois de os ouvir, formos verificar como na realidade cumprem essa missão, o que encontraremos será sempre o mesmo velho palavreado, cozido e recozido. Terá esta ocupação o mérito de formar e despertar sentimentos, mas antes deverá considerar-se como uma agitação supérflua. "Têm eles Moisés e os profetas; ouçam-nos" (Lc 16, 29). O que sobretudo nos espanta é o tom e a pretensão que assim se manifestam, como se o que sempre tivesse faltado no mundo fossem esses zelosos propagadores de verdades, como se a velha sopa recozida trouxesse novas e inauditas verdades, como se fosse sempre "precisamente agora" a ocasião de as ouvir. Por outro lado, verifica-se que um lote de tais verdades propostas aqui é submergido e abafado por outras verdades da mesma espécie divulgadas ali. Como é que se pode distinguir dessas considerações informes e infundadas o que nesse turbilhão de verdades não é velho nem novo, mas permanente? ”. (HEGEL, 1997, p. XXV).

Começa aqui a possível contradição do filósofo, ou uma perfeita estruturação de retórica dialética que devido ao alto nível de intelectualidade do autor, seja claro para ele o que para tantos é obscuro.
Cabe aqui uma pequena observação, sobre a frase “o que encontraremos será sempre o mesmo velho palavreado, cozido e recozido”, talvez seja justamente por isso que o autor tenha quase um vocabulário novo, que será considerado um dos mais difíceis de toda literatura filosófica, que até com suas melhores metáforas, ainda não compensa a sua obscuridade (FRAGA, 2013). Porém, adiante, se verá que talvez Hegel não tenha feito nada de tão diferente de sua própria crítica, mas tão somente um “cozido e recozido com palavras novas”. Schopenhauer também segue essa ideia quando se trata do vocabulário e o próprio trabalho de Hegel, quando afirma:
“A falta de sentido e a aglomeração de palavras extravagantes e desmioladas, em grau jamais antes visto, exceto nos pátios dos manicômios; eis a tendência que, em Hegel, chegou ao ápice, tornando-se o instrumento da mais desavergonhada de todas as farsas, com resultados que hão de parecer fabulosos à posteridade
e permanecerão um imponente monumento à estupidez germânica”. (1819, apud ALEXANDRONI, 2016)

Convém também observar duas explanações do autor, que aparentam de imediato contraditórias. Como quando ele diz que “na minha Ciência Lógica desenvolvi completamente a natureza do saber especulativo” e logo depois diz que “nenhuma arte, nenhuma ciência está exposta a tão fundo grau de desprezo como quando qualquer um pode julgar dominá-la”. (HEGEL, 1997, p. XXIX). Desenvolver completamente um tema não é julgar dominá-lo?
Percebeu-se também, que algumas das afirmações do filósofo vão em direção ao seu antecessor, Immanuel Kant, atacando aparentemente o conceito de razão pura como fonte de moralidade, como afirma:
Mas o homem pensa e é no pensamento que procura a sua liberdade e o princípio da sua moralidade. Este direito, por mais nobre e divino que seja, logo se transforma em injustiça se o pensamento só a si mesmo reconhece e apenas se sente livre quando se afasta dos valores universalmente reconhecidos, imaginando descobrir algo que lhe seja próprio. (HEGEL, 1997, p. XXVII)

  Como é necessária aqui, a compreensão desse conceito kantiano, é oportuno que se passe rapidamente por sua filosofia e por fim, demonstrar onde mais podem haver possíveis contradições no trabalho de Hegel.

2      Kant e a moral na razão pura.

Na filosofia kantiana o homem encontra uma lei universal em si mesmo. Essa lei não sofre influência das inclinações, vontades desejos ou sonhos. Caso contrário, seria uma moral criada e construída pelo próprio homem e não por algo a priori e universal. Com isso, Kant possibilita uma lei que seja eterna e para todos os homens. (LAZZARI, 2012).
O filósofo acredita que a razão pura pode oferecer leis a priori, sendo essas, universais para todos os homens e é aqui que Hegel parece não aceitar muito bem:

As leis morais com seus princípios, em todo conhecimento prático, distinguem-se, portanto, de tudo o mais em que exista qualquer coisa de empírico, e não só se distinguem essencialmente, como também toda a Filosofia moral assenta inteiramente na sua parte pura, e, aplicada ao homem, não recebe um mínimo que seja do conhecimento do homem (Antropologia), mas fornece-lhe como ser racional leis a priori. (KANT, 2007, p. 16)
                       
As leis a priori são acessíveis à razão e são concretizadas nas ações, que, por conseguinte, nas experiências e sentidos.        O homem então deve gradativamente progredir no caminho do dever, mesmo que lhe seja difícil. Porém, a afirmação de Hegel “[...] o pensamento só a si mesmo reconhece e apenas se sente livre quando se afasta dos valores universalmente reconhecidos” parece apontar uma fraqueza no pensamento kantiano por indicar que, o homem não consegue tocar o universal, (ou pode, porém não se sente livre), mas somente a si mesmo fazendo de suas ações, suas próprias vontades.
A meta do homem, para Kant, então, é agir por dever. Isso por se acreditar que ele compreende a lei universal que é a priori. A ação será um fim em si mesma, neste sentido Lazzari afirma:
Um elemento importante da moral de Kant é aquele que afirma que o ser racional é um fim em si mesmo. Este indubitavelmente é um dos pilares de sua ética. Portanto, o homem, para agir, deve em primeiro lugar saber que sua ação não deve se basear na experiência, mas na razão. Em segundo lugar, deve desejar que sua ação se torne uma lei universal. Depois, deve agir por dever, por respeito à lei, mesmo sem qualquer inclinação ou vontade. E, tendo claro estes três elementos, deve saber que o fim de uma ação é o ser racional, o homem, não esperando daí nada que não seja agir racionalmente, independente das consequências. (LAZZARI, 2012, p. 125)

O indivíduo então, possui autonomia a partir de seu intelecto para atingir a moralidade universal, o dever, a razão a priori. Hegel critica o formalismo Kantiano por acreditar que ele seja vazio, sem base. Como assim diz Muller:

 A filosofia de Kant compreende estar justificada, por fornecer argumentos a favor da sua posição filosófica, sem, no entanto, criticar seus próprios critérios. Por isso, o imperativo categórico é como que revelado, não podendo ser criticado, mas sendo ele mesmo o único e absoluto critério (fórmula) para a valoração moral da vontade. (2011, p.134)

Hegel irá além de Kant, encontrando uma justificação e base para a moralidade, no Estado. Compreende-se que para Hegel, o pensamento kantiano é limitado e dualista, devido à sua ternura, ou “medo” diante do objeto, ou seja, para Kant sempre haverá uma certa incapacidade ou dúvida na compreensão dos objetos e das próprias ações (RAMOS, 2008). Ao colocar o Estado como algo que complementa o homem, como parte do intelecto, ou um intelecto independente, não teria ele tentado dar uma resposta universal “atemporal” com seus princípios de direito, mesmo falando que cada homem responde ao seu próprio tempo? É essencial aqui, compreender como Hegel articula suas ideias para colocar o Estado como um ser pensante em relação aos homens.
             
3      O estado de Hegel     

A filosofia de Kant realmente como afirma Hegel, deixa um vazio sobre como o homem pode medir seus próprios atos, deixando uma dúvida na real moralidade universal. Ela está justificada sem criticar seus próprios critério. Por isso já é como dada, sendo ela, seu único critério de valoração moral (MULLER, 2011).
Em Hegel o Estado surgirá como algo racional em si, ele chega a dizer que o Estado é um universo moral (HEGEL, 1997). De uma maneira mais técnica e breve, Muller explica como o filósofo fez o caminho:

A filosofia hegeliana parte do indeterminado, pondo e expondo o que aí está pressuposto. Portanto, o todo ou o absoluto. A principal diferença dessa filosofia em relação à de Kant consiste no reconhecimento da contradição imanente a cada momento, do ser, do nada, do algo, do finito, não aceitando a posição de que a contradição é só algo externo, podendo ser resolvida ao nível do pensamento abstrato, fazendo-se as devidas distinções. (2011, p.134)

Assim o Estado surge não somente como uma máquina ou sistema, mas como organismo, um desenvolvimento vivo do espírito. Ele será soberano, tendo autonomia para decidir ações sobre ele mesmo, e para todos. Quem o mantém são as vontades individuais e subjetivas, negadas, porém conservadas. Ele afirmará o universal como a verdade do particular (MULLER, p. 2011).
Se para Hegel a Filosofia kantiana possui um vazio no imperativo categórico (como foi já foi visto), em seu trabalho, Hegel passa dos limites do possível “medo ou impasse” de Kant, criando assim um pensamento inquestionável, que gera a mais pura convicção dos atos. Essa convicção da moralidade será entregue para o Estado, como foi afirmado por Muller. Nessa linha de pensamento, Lebrun na obra O avesso da Dialética, irá afirmar que no sistema criado por Hegel é impossível refutá-lo:
Se o sistema hegeliano é vulnerável, isso não se deve a seu dogmatismo (no sentido comum) nem a seu idealismo, ou, ainda, ao fato de que Hegel teria tratado superficialmente as ciências de sua época. Para encontrar a falha na couraça, precisamos nos convencer de que toda a crítica a Hegel é vã, se se começa por aceitar a razão como uma fonte de conhecimento por meio de meros conceitos. Pouco importa, assim, que acusemos Hegel de dar uma imagem deformante, ou mesmo caricata dessa razão pura. Pois, enquanto nos mantemos nessa posição- que o enorme impacto de Kant, diga-se de passagem, abalou menos do que poderíamos crer-, o sistema hegeliano permanece inexpugnável. Podemos muito bem acusá-lo de charlatanismo, mas não o refutarmos... isso se passa de outro modo, contudo, se o exame do hegelianismo é comandado pela exigência de se colocar em questão a própria noção de um conhecimento pela razão pura (em vez de criticar o alcance desta, como o fez Kant) (...). Não se refuta um sistema da razão. Tudo o que se pode fazer, é reencontrar, bem ou mal e por subterfúgios, as escolhas léxicas nas quais ele se baseou e que traduzem, sem margem de dúvida, tomadas de posição eminente infra-racionais. (1972, apud RAMOS, 2008, p.44)

Parece então, que Hegel desenvolve sim um Estado que se mostrará universal, pois esse Estado é defendido pelo seu sistema dialético irrefutável.
Porém como o próprio filósofo disse, e aqui está o ponto central do questionamento desse trabalho presente: se ninguém pode transcender o próprio tempo dando uma verdade universal, como pode Hegel dizer que o Estado será o mediador de base da sociedade? Não foi essa também uma verdade contemporânea do filósofo? E quem por acaso, terá poder suficiente de dizer e apontar que o próprio Estado não está sendo moralmente correto? Não teria ele passado a problemática do indivíduo (em Kant) para o Estado? Mais uma vez é preciso aqui, compreender que esse artigo não deseja responder essas questões, mas somente fundamentá-las a nível de serem consideradas válidas.
            Se Hegel aparentemente retira o impasse kantiano da moralidade, e o passa para o Estado, não teria ele dado oportunidade para grandes tiranias? Aqui, é no mínimo curioso demostrar uma posição do filósofo sobre a tirania e violência no direito moral:
Nota - Pode opor-se ao direito positivo e às leis a sentimentalidade, a inclinação e o livre-arbítrio, mas, pelo menos, não se venha pedir à filosofia que reconheça tais autoridades; a violência e a tirania podem constituir um elemento do direito positivo, mas trata-se de um acidente que nada tem a ver com a sua natureza. (HEGEL, 1997 p. 216)
Poderia alguém aqui, defender Kant com o mesmo argumento. Dizendo que toda vez que o indivíduo se afasta da lei universal, seria um acidente que nada tem a ver com sua natureza. Mesmo que a intenção de Hegel seja estabelecer a ideia do estado como legislador da sociedade e que suas leis são mutáveis, por que ele não colocou que a própria lei e o próprio Estado podem ser variados e um dia perder o sentido?
Ao longo de sua obra, também é possível perceber as centenas de definições que o filósofo dá para o direito. Principalmente como julga ser o conceito de família, de posse, de governo e etc. aparentando estar dizendo sobre as mais puras verdades eternas. Mas, talvez aqui, realmente sua ideia sobre ser “filho do próprio tempo” faz jus a sua competência, uma vez que Reale diz:
Houve período em que se apreciavam principalmente os Elementos de filosofia do direito, pela peculiar concepção da típica e pela celebre doutrina do Estado (...). Hoje, porém, essas doutrinas se apresentam como notavelmente obsoletas e, em sua substância, não são mais aceitáveis. (REALE, 2005 p. 98)

Como se pode ver, muitas das ideias de Hegel foram superadas. Mas ainda sim, é possível dizer novamente que o filósofo é filho de seu próprio tempo, tanto quanto sua filosofia. Nunca deixando assim, de contribuir para história da humanidade em suas transformações.

Conclusão
Apesar dos apontamentos apresentados, a intenção deste trabalho foi de levantar curiosidades como já afirmado no início. É de se compreender, que ao utilizar um filósofo superado por Hegel para confrontá-lo, é ter utópica esperança de concluir que: aquele que a história considera superior tenha fracassado em sua tarefa.
Uma conclusão nascida dos determinados apontamentos pode surgir, como: Hegel talvez não deveria ter dado fundamento ao vazio do formalismo kantiano, pois ao fazer isso, talvez tenha tirado a última estância da incerteza da consciência. Ele removeu a última barreira da autoconsciência, a dúvida dos próprios atos. Que agora podem ser justificados não pelo dever, que respeita cada indivíduo como tal, mas pelo bem e progresso do Estado como organismo pensante, e, mesmo que para ele seja um acidente, possibilitado e justificado a tirania e a violência.
Hegel parece querer criar um universal baseado no estado. Ao querer criar algo de alicerce, se contradiz, pois não é possível criar uma base para os homens, mas somente dar um sentido temporário como ele mesmo disse. Também sua organização e estruturação de dialética é paradoxal, pois, segundo ele, tudo passa pelo crivo da tese, antítese e síntese, mas não coloca seu próprio método dialético que estrutura toda sua filosofia à prova.  No caso dele, aparentemente, o universal não são as leis, mas a crença no estado regulador, que talvez tenha dado base para o Nazismo e para o materialismo histórico.
             
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS     

 

ALEXANDRONI, Edgar, Schopenhauer (Filologia) x Hegel (Filosofia). Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5709467>. Acesso em: 25 set. 2018.

FRAGA, Marcelo Lorence. Hegel, precursor da virada lingüístico-pragmática no século XIX? Mestre em Filosofia – PPGF/PUC-RS disponível em <https://esbocosfiloso ficos.com/tag/hegel>  Acesso em: 25 set. 2018.

HEGEL G.W.F Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino. Editora Martins Fontes Ltda. 1º edição São Paulo 1997

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes, Tradução Paulo Quintela. Edições 70. 1º edição Lisboa/Portugal, 2007

LAZZARI, Júlio Cezar Junior. Alguns Aspectos da moral de Kant na obra Fundamentação da metafísica dos costumes, mestrando em Filosofia pela USJT, Prometeus, Filosofia em Revista. Ano 5, nº 9, janeiro-junho de 2012

MÜLLER, Rudinei.  A Crítica de Hegel ao Formalismo Moral Kantiano. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Do Sul. Doutorado em Filosofia. Porto Alegre 2011.

RAMOS, Flamarion Caldeira. A Miragem do Absoluto. Sobre a contraposição de Schopenhauer a Hegel: Crítica, Especulação e Filosofia da Religião. Doutorado em Filosofia. São Paulo 2008 Universidade de São Paulo.

REALE, Giovanni; ANTESERI, Dario. História da filosofia: Antiguidade e idade média/; Trad. Ivo Storniolo São Paulo: Paulus, 2005. (Coleção Filosofia).



[1] Aluno do segundo ano de bacharelado em filosofia do Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

ANÁLISE DO LIVRO AS CONFISSÕES DE SANTO AGOSTINHO


EDUARDO WILLIAN DA SILVA
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
UNISAL- CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
2º SEMESTRE DE 2017
BACHARELADO EM FILOSOFIA


CONFISSÕES

INTRODUÇÃO

Aurélio Agostinho, o Santo Agostinho de Hipona foi um importante bispo cristão e teólogo. Nasceu na região norte da África em 354 e morreu em 430. Era filho de mãe que seguia o cristianismo, porém seu pai era pagão. Sua vida pode ser analisada em diversas perspectivas, o contexto histórico, a angustia na busca pela verdade, ou seja, a passagem que faz por outras doutrinas, bem como o maniqueísmo, o ceticismo, até, posteriormente, abraçar a fé cristã e a filosofia.
Apesar de sofrer influências, desde crianças, respeito da fé cristã, o santo relutou muito até desejar abraça-la. Foi, pois, mediante a tantos acontecimentos simultâneos, como o contato com Santo Ambrósio, a conversão dos amigos, a ida para Itália e a angustia que sofria em prol do desejo de encontrar respostas para suas questões, ou seja, a origem do mal, como sendo a principal. Severas reflexões fizeram-no emergir do íntimo e expuseram-no toda a miséria à contemplação do coração.
O Maniqueísmo na vida de Agostinho é fator determinante para uma melhor compreensão da atuação de Deus. Mesmo que diante de algumas heresias levantadas por essa doutrina, sua chave de leitura em meio ao caos, no qual passava o santo, foi um grande passo dado em direção a si mesmo e, consequentemente, a Deus.





Livro I- Do nascimento aos quinzes anos.

Agostinho apresenta-se como um rapaz imaturo que ainda está compreendendo a si mesmo e as coisas. Sente-se, por parte dele, desconforto e arrependimento por ter vivido algumas partes da sua infância de maneira, interpretada por ele, errônea. Principalmente no que se refere aos estudos. “Para minha infelicidade, não entendi a utilidade desse trabalho; mas se me mostrava preguiçoso, era castigado a vara” (AGOSTINHO, 1984, p.27).
“Ainda menino, comecei a dirigir-me a ti, como a ‘meu rochedo e meu refúgio’” (AGOSTINHO, 1984), frisa o santo, mediante as dificuldades que enfrentava na escola, para que Deus o livrasse. Sua consciência diante de Deus é de pecador, por haver de desobedecer seus pais, pois “amava as disputas e o orgulho da vitória” (AGOSTINHO, 1984), isto fazia com que vivesse em distrações, não cumprindo o que lhe era pedido.
A visão que o santo tem de si é que seu corpo, ou seja, suas atitudes, mancham a pureza da alma. Percepção e compreensão fortemente platônica, no qual o corpo e a prisão da alma, que é pura, e necessita purificar-se e manter-se assim. “Quanto teria sido preferível para mim ser logo curado e esforçar-me, eu e os meus, para conservar intacta a saúde da minha alma” (AGOSTINHO, 1984). Em seus escritos, rejeita tudo o que se trata como mundano, até mesmo a literatura.


Livro II- Os dezesseis anos

Neste capítulo vê-se Agostinho na puberdade, desfrutando dos prazeres causados por esta fase, mas também por sua necessidade de mostra-se aos outros, de sentir orgulhoso e importante. Manifestando a arrogância que estava presente nele. Tinha o prazer de praticar o que era proibido (AGOSTINHO, 1984).
Sua ligação com Deus, na adolescência, era muito distante. Denota-se uma pessoa que gostava de curtir festas, de satisfazer os seus desejos, próprio de um jovem aventureiro. Nisto se manifesta, mais uma vez um sentido de culpa, porém vista sob o ângulo da “pós conversão”. Entretanto, era vivido de maneira totalmente livre de qualquer culpa. Assim, ele compreende que Deus calava-se vendo suas atitudes.

“Desde a adolescência, ardi em desejos de me satisfazer em coisas baixas, ousando entregar-me como animal a vários e tenebrosos amores! Desgastou-se a beleza da minha alma e apodreci aos teus olhos, enquanto eu agradava a mim mesmo e procurava ser agradável aos olhos dos homens” (AGOSTINHO, 1984, p. 45).

Denota-se, nesta fase da vida do santo, certa tendência ao Epicurismo, ou seja, ele buscava a Ataraxia, a paz interior, desfrutando-se dos prazeres, porém sem nunca desejar sofre-los. Entretanto, o desejo deste ideal, só encontrou, posteriormente, em Deus. “Quem mergulha em ti ‘entra no gozo do Senhor’” (AGOSTINHO, 1984, p. 58).


Livro III- Jovem estudante

Após sua mudança para Cartago, desejos, vontades e prazeres carnais ainda eram muito presentes na vida do santo. Assim, manchava as fontes da amizade com a sordidez da concupiscência e turbava a pureza delas com a espuma infernal das paixões (AGOSTINHO, 1984).  Atraía- lhe os sofrimentos alheios, imaginário, teatral, seduziam- lhe o desejo de chorar pelos gestos do ator, pois buscava motivos de dor, uma forma aplacar suas misérias.
Em Agostinho dá a impressão de um Deus que pune conforme as más condutas, porém de forma à educa-lo. “Por isso me punistes com graves castigos; mas estes eram nada diante das minhas culpas (...)” (AGOSTINHO, 1984. p. 65). O amor a sabedoria despertado por Hortênsio de Cícero, culminou no desejo por conhecer as Sagradas Escrituras, um livro que não se abre aos soberbos.  
A busca de Agostinho em saciar a sua fome interior, ou seja, encontrar a Deus, fez rejeitar as simples e profundas palavras a Bíblia e também aderir ao Maniqueísmo, heresia que, posteriormente, será combatida por ele. Descia os degraus das profundezas do inferno, atormentado pela sede da verdade enquanto buscava a Deus (AGOSTINHO, 1984).
O Maniqueísmo na vida de Agostinho é fator determinante para uma melhor compreensão da atuação de Deus. Mesmo que diante de algumas heresias levantadas por essa doutrina, sua chave de leitura em meio ao caos, no qual passava o santo, foi um grande passo dado em direção a si mesmo e, consequentemente, a Deus. Por desconhecer tais fatos, ria-se dos cristãos. Porém, compreende que era ele, que deveria ser escarnecido, por acreditar em tolices (AGOSTINHO, 1984).


Livro IV- O professor

Agostinho, inteligente como era, muitas vezes foi seduzido e sedutor, enganado e enganador, em meio às diversas paixões, ensinando, em público, as ciências chamadas liberais e, em particular, praticando uma religião indigna de tal nome. Utilizava-se da retórica como sustento de vida e também do próprio ego. Após a morte de seu amigo, encontrava-se desolado e banho em tristezas, unindo as suas angustias pela verdade das coisas. “Eu era infeliz, como infeliz é todo espírito subjugado pelo amor às coisas mortais, cuja perda o dilacera, e então deixe perceber a extensão da infelicidade que já o oprimia antes de perde-la” (AGOSTINHO, 1984, p. 93).
O “deus do santo” era como um fantasma irreal, era o seu próprio erro, no qual a alma não encontrava lugar para descansar.  Os dias se sucediam, e, com o passar do tempo, novas esperanças e outras lembranças, que não fosse a morte do amigo, se apresentavam, sua alma encontrava força para não deixar esvair-se mais ainda da Verdade. Foi-se percebendo que o mal pelo qual passava não era um Sumo Mal que guiava tais ações, como se fosse um outro deus, assim como ensinava o maniqueísmo, mas a ausência das escolhas boas. Entendia que a realidade é material, ou seja, corpórea, impedindo-o de compreender a verdade, por meio, também, das coisas espirituais. Não compreendia a ação de Deus.


Livro V- Da África à Itália

Ainda em Cartago, ao encontrar um Bispo maniqueu chamado Fausto, Agostinho admira-se a inteligência que este possuía, a maneira eloquente que envolvera já muitas pessoas. Precedia-o a fama de homem competentíssimo nas ciências mais nobres. Porém, Agostinho em uma visão mais avançada, ou seja, depois de abraçar a doutrina cristã, salienta que a “piedade é sabedoria”, e tudo quando descobriu-se de eclipse, calendários, horas, nada se compara a uma alma que está inundada em Deus.
Ele coloca em dúvida a doutrina do maniqueísmo, após o encontro com Fausto. A busca pelos astros, sol, lua, e outras ciências, não pareciam satisfazer a angustia que sentia, ao tentar responder as questões que lhe causava isso, ou seja, de onde parte todo este conhecimento, quem o rege. Quanto ao mais, o ardor que tivera em progredir nesta seite que abraçara arrefeceu completamente logo que conheceu este homem, mas não ao ponto de desligar-se radicalmente dos maniqueístas. Com feito, não encontrando solução melhor, decidira contentar-se temporariamente com ela, até encontrar ao mais claro que merecesse ser abraço (AGOSTINHO, 1984).
Acudira-se o fato da ideia de que os mais esclarecidos entres os filósofos eram os chamados Acadêmicos, quando afirmava ser preciso duvidar de tudo, e que o homem nada pode compreender da verdade, (talvez seja desse conceito que ele compreende que a Verdade, Deus, só pode ser conhecido se Ele se der a conhecer, ou seja, pela iluminação dada pelo mesmo).
Os fatos ocorridos na vida Agostinho foram convergindo para o seu encontro com a fé cristã, pois desejava aprofundar-se nas Sagradas Escrituras, mediante ao que sentia com as críticas que os maniques faziam a certas passagens. Além disso, sua dificuldade em ensinar retórica em Roma, também contribuiu para tal evento.
Seu encontro com Santo Ambrósio encantou-o pela maneira pelo qual discursava nem tanto pelo que conteúdo, pois seguia o maniqueísmo. Seu principal interesse pela fé católica, não foi pelo que pregava, mas sim pela maneira que era discursada, ou seja, o “poder de retórica”. Assim, abraçou previamente ao catecumenato da Igreja católica.


Livro VI- Agostinho aos trinta anos

A angustia do Santo de Hipona tornava-se calma a cada palavra que era pronunciada pelos lábios de Ambrósio. Estimava-o como a um “mensageiro de Deus”. Tinha sempre a oportunidade de consultar o santo oráculo que residia no coração daquele homem, para sanar suas dúvidas.
Tais palavras que eram ouvidas e que acalentavam-lhe o coração, passaram a clarear as nuvens que haviam na busca pela verdade, pois encontrava-as nos cursos de Ambrósio. A compreensão das Sagradas Escrituras foi o motivo pelo qual Agostinho abraçou a fé católica. Entendia-a ao pé da letra e assim era mais “fácil de criticar”, ou parecer uma mentira, como fábulas absurdas, incapazes de demonstração. Parece que ele encontrou familiaridade entre a fé relacionando-a com o que buscava, levando-o a interpretá-la com “olhares platônicos”. Segundo seu entendimento, a Sagrada Escritura é um caminho que leva a verdade.


Livro VII- A busca da verdade

A ideia de um ser imutável, inviolável, incorruptível perpassa, também, nas reflexões filosóficas de Agostinho. Entendia que tudo aquilo que é sujeito à corrupção é certamente inferior àquilo que não é, ou seja, o que não é passível de corrupção, colocava acima do que era. Um conceito fortemente enraizado nos primeiros filósofos quando buscava uma arché que contemplasse todas as coisas. Parece que o santo compreende bem isto.
A questão da origem do mal, tão discutida pelos maniqueístas, levou-o à colocar em cheque, tal doutrina.

Se tememos o mal sem motivo algum, é esse temor um mas, enquanto sem motivo nos perturba o coração, e tanto mais grave quanto nada há que temer. Portanto, ou o mal que tememos existe, ou o próprio fato de teme-lo é um mal. Mas de onde vem o mal, se Deus é bom e fez todas as coisas boas? (AGOSTNHO, 1984. p 175).

Tais eram as reflexões que agitavam seu pobre espírito, já sob o peso da pungente preocupação de morrer sem conseguir descobrir a verdade. A leitura dos platônicos leva Agostinho a buscar no próprio intimo a verdade e assim passa a rejeitar o dualismo maniqueísta. Para ele, todas as coisas são boas e não podem não ser. Pois, o mal que procurava não é uma substância, porque se fosse seria um bem.
A relação Agostinho e Deus intensificou-se mediante a estes acontecimentos que foram ocorrendo. Mesmo que ele afastasse por “fraquezas carnais”, seu coração estava voltado a Deus e já não duvidava absolutamente da existência de um ser a quem deveria estar unido.


Livro VIII- A conversão

A conversão de seu amigo Vitorino contado por Simpliciano despertou-lhe curiosidade e atenção quanto a fé católica, pois além de transformar a maneira de pensar e enxergar o mundo, ele renunciou ao que lhe mais agradava que era poder lecionar literatura e retórica, porque o imperador Juliano estipulara uma lei que proibia os cristãos de exercer tal função. Apesar de Agostinho querer seguir o mesmo caminho, a sua “vontade férrea” impedia-lhe.
As peças do quebra-cabeça de Deus na vida de Agostinho iam sendo paulatinamente encaixadas e as trevas da escuridão da alma se esvaindo, seja pela conversão dos amigos, pelas atitudes da mãe, pelo testemunho dos cristãos ou pela Sagrada Escritura, o seu interior era inundado por tantas inquietações.
A tempestade interior era cada vez mais intensa, tantos acontecimentos simultâneos, tantas doutrinas diferentes e nada de encontrar a verdade que lhe acalmasse e lhe desce paz. Severas reflexões fizeram-no emergir do íntimo e expuseram-no toda a miséria à contemplação do coração (AGOSTINHO, 1984). Assim, em meio a inúmeros acontecimentos a leitura da Sagrada Escritura foi determinante para a sua conversão. Narra o santo:

Peguei-o, abri e li em silêncio o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar: “Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne”.[1] Não quis ler mais, nem era necessário. Mal terminara a leitura dessa frase, dissiparam-se em mim todas as trevas da dúvida, como se penetrasse no meu coração uma luz de certeza. (AGOSTINHO, 1984, p. 227).
           
Enfim, encontrou em Deus a possibilidade de responder as questões que mais lhe causavam desconforto e agora passa a debruçar-se nesta doutrina, mas com a intenção de defender contra os hereges.


Livro IX- O batismo e a volta para a África

Após a conversão, Agostinho decide abandonar a cátedra de retórica, pois já não se sentia feliz ao ministrar aulas, na qual ensinava os jovens a discutir questões, que segundo ele, eram inúteis à alma, além das dores nos pulmões que havia sentindo, impediam-lhe de continuar a desempenhar a profissão.
Mesmo depois de abraçar a fé cristã, o recém convertido sofria pela consciência dos erros passados, buscava redimi-los. Também não se sentia apto ou minimamente pronto para as exigências que esta doutrina causava, ou seja, a fé, o martírio, as perseguições.          A presença de Mônica foi determinante na vida do santo, tanto na infância, na adolescência, quando ainda não abraçara a fé e também após a conversão, sustentando- lhe em suas incompreensões primarias a respeito da nova doutrina.
Assim, depois de ter abraço a fé, abandonado as aulas de retóricas e a morte da mãe, Agostinho volta para África, sua terra natal e onde, mais tarde, passará a exercer o cargo de Bispo, ou seja, de pastor, aquele que presa e zela pela fé dos demais cristãos. Aquele que outrora perseguia a condenava a fé cristã e seus ensinamentos, passará a conduzir inúmeras pessoas no caminho da fé.


Conclusão

A filosofia e a teologia agostiniana ainda são muito presentes no cristianismo, mesmo depois que Santo Tomás de Aquino surgiu reinterpretando muitas coisas ditas por ele, seu pensamento ainda perpetua. A conversão que o santo teve em sua vida atrai inúmeros cristãos que desejam trilhar um caminho de santidade e busca pela verdade, pois, este, é um modelo.
A linha de pensamento de Santo Agostinho girava em torno de dualismos, herança de Platão e dos maniqueístas orientais. Bem e mal, corpo e espírito eram totalmente separados. O filósofo condenava os pecados da carne e alegava que a fé era o essencial para a vida. Hoje ainda, suas ideias alimentam a vida espiritual dos seguidores de Cristo, pois há correntes que defendem o desprezo ao corpo.
Assim, a vida deste santo é um marco na história seja positivo, ou negativo. Porém, não pode negar que a contribuição que deu para que Filosofia a e Teologia avançasse é inegável.


Referências

            AGOSTINHO, Santo, Confissões, 1984. Trad. Maria Luiza Jardim Amarante; [revisão cotejada de acordo com o texto latino por Antônio de Silveira Mendonça]. -  São Paulo: Paulus. – (Coleção Patrística)


[1] Rm 13, 13s.

O PERFIL SOCRÁTICO DIANTE DAS OBRAS O JULGAMENTO DE SÓCRATES, A APOLOGIA E A DEFESA


EDUARDO WILLIAN DA SILVA
UNISAL- CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO
BACHARELADO EM FILOSOFIA
1º SEMESTRE DE 2017
DÍSCIPLINA: HISTÓRIA DA FILOSOFIA
PROFESSOR: P. DILSON PASSOS JUNIOR



INTRODUÇÃO

No livro O Julgamento de Sócrates apresenta uma visão bem diversa daquela que vê-se em Apologia, de Xenofonte, e A Defesa, de Platão, a respeito de sua conduta diante dos concidadãos, como o menosprezo diante a atuação política dos artesãos, pedreiros, ferreiros entre outros, ou seja, aqueles que eram de classe social baixa, e também seus pensamentos “espartanos” políticos que divergem e muito do que os cidadãos atenienses compreendiam, pois frisa fortemente as divergências partidárias, a diferença na compreensão de Virtude e Conhecimento, e a não participação na vida integral política, pois ele participava de modo indireto, principalmente no que se refere ao pensamento sobre a Justiça, salientando um ideal socrático antidemocrático. Este envolvimento com a política é forma que contraria o pensamento dos seus concidadãos, não fazendo juízo de qual é o ideal correto ou o errado, mas busca salientar as diferenças existentes nestes dois conceitos.
No que diz respeito ao julgamento, que também envolve a sua situação em relação à política, apresenta-se Sócrates como um “mártir da liberdade de expressão”, que no entanto, o caminho que o livro vai discorrendo, leva a perceber o desejo que ele queria apropriar-se da morte, pois poderia optar por inúmeras propostas feitas, quando foi acusado, como: exilar-se, pagar multa, entre outras, ou poderia evitar até mesmo a própria condenação, fazendo bom uso de sua retórica, para convencer o júri de sua inocência. Assim, desmistificará a sua imagem diante da Pólis e também para o próprio leitor.



O JULGAMENTO DE SÓCRATES


PRIMEIRA PARTE: SÓCRATES E ATENAS

AS DIVERGÊNCIAS BÁSICAS

Aborda-se neste capítulo as divergências partidárias que aconteciam em meados do século V a.C., ou seja, Oligarquia (regime político em que o poder é exercido por um pequeno grupo de pessoas, pertencentes ao mesmo partido, classe ou família) contra a Democracia (governo em que o povo exerce a soberania). Discorrem sobre a melhor forma de governo para a Pólis, diversos filósofos apresentam suas contribuições, opiniões e soluções para os problemas que enfrentam. Além disso, a forma como Sócrates é apresentado por Xenofonte e por Platão, diferem-se quanto se trata de um ideal da Pólis.



SÓCRATES E HOMERO

A narrativa de homérica não se harmoniza com o ideal Socrático de governo da Pólis, entretanto já contém o germe, que futuramente indicará com caminhos para uma forma adequada de governo.
As narrações feitas (Odisseia, Ilíadas) eram conhecidas por grande parte da população que compreendia o pensamento de “pastor do povo” como um ideal totalmente diverso do que era proposto anteriormente, como o conceito de Homem Civilizado, ou de Lei e Justiça, vividos conforme os costumes. Temos, então, algo que se aproxima mais de uma monarquia constitucional, do que o governo “daqueles que sabem”, perante “os que não sabem. ”


UMA PISTA NO EPISÓDIO DE TERSITES

Percebe-se que dentre as acusações que Sócrates recebeu, está a corrupção da juventude no qual utilizava-se de trechos imorais dos famosos poetas, para torna-los tiranos e insolentes, sendo chamado de antidemocrata. Este capítulo gira em torno deste pensamento, enxertando ainda mais a diferença entre Sócrates e os ideais daquela época, a partir de sua literatura.
Xenofonte nas Memoráveis, defende Sócrates da acusação contra a democracia, entretanto, neste capítulo, defende-se a ideia de que ele omitiu frases do texto de Homero para defende-lo. Tersites, que confronta Odisseu, é o primeiro a pensar na ideia de um homem do povo, com direito de expressão, porém seu pensamento não é bem aceito.


A NATUREZA DA VIRTUDE E DO CONHECIMENTO

Este capítulo apresente a segunda divergência básica entre Sócrates e a Pólis, que é a questão sobre a Virtude, gerando outra dúvida, a respeito do Conhecimento. Estes problemas apresentados, para Sócrates, têm peso político, pois se o Conhecimento é uma Virtude e todos os homens podem ser virtuosos, logo podem adquirir tal Conhecimento, ou seja, não há divisões de classes sociais. Entretanto, este pensamento afirma que a comunidade era um rebanho, incapaz de governar a si própria, pois o verdadeiro Conhecimento era inatingível, e a grande maioria das pessoas não possuíam tanto a Virtude, quanto o Conhecimento. Esta diferença reflete nos diálogos em Sócrates e os Sofistas.
A defesa da democracia é apresentada e Sócrates é obrigado a enfrenta-la no diálogo com Protágoras. Este também descreve em um mito feito por ele, que tem base filosófica no autogoverno, no qual Sócrates ignora a democracia ateniense, sendo considerado um inimigo.

A CORAGEM COMO VIRTUDE

Sócrates afirma que a coragem por ser Virtude é também Conhecimento. Entretanto, Aristóteles contesta esta visão que em seu livro, Ética a Nicomaco, diz que o Conhecimento, considerada por ele como Virtude social, às vezes, acovarda até mesmo os soldados mais corajosos, porém em outros casos a coragem transcende o conhecimento. O diálogo entre Laques e Sócrates, leva-o a um beco sem saída diante de suas próprias proposições ao longo do discurso.
            Grande parte dos escritos dos diálogos de Sócrates há o questionamento a respeito das Virtudes, de sua origem. Neste capítulo, apresenta uma visão crítica a respeito do método no qual ele utiliza-se nos diálogos, transpassando uma visão negativa das coisas e sem formar sua própria proposição durante a conversa, tendo sempre a intenção de confrontar a democracia. Sua doutrina, antidemocrática, no qual aqueles que sabem devem governar, está ligada a busca de certezas absolutas, ou seja, de definições a respeito da Virtude e do Conhecimento. O desprezo pela democracia e pela gente comum é um tema recorrente nos discursos de Sócrates.
            Assim, apresenta-se vários argumentos para apresentar as contradições em seus discursos e a fragilidade de seu pensamento.


UMA BUSCA INÚTIL: SÓCRATES E AS DEFINIÇÕES ABSOLUTAS

Para Sócrates só se conhecia realmente algo se pudesse definir de modo absoluto. Isto fez com que sua busca se tornasse mais frutuosa, também, para os próximos filósofos que surgiram, utilizando-se deste pensamento para caminharem mais profundamente a respeito de vários assuntos. Mais uma vez, mostra-o com um filósofo que confunde o raciocínio dos seus interlocutores, fazendo analogias complexas ou até mesmo patéticas.
Nos discursos, sua intenção é ridicularizar a democracia, entretanto, muitas vezes é ele que se torna ridículo, perante suas colocações. Apresenta uma maneira arrogante no falar, quando se trata da missão recebida pelo oráculo de Delfos e que o definiu como o mais sábio de todos os homens, por compreender que não conhece todas as coisas e quem ele interrogava sabia ainda menos.
Este capítulo apresenta de forma negativa tudo quanto Sócrates pensou e filosofou junto aos seus contemporâneos, com exceção a busca das definições absoluta das coisas. Sempre frisando sua imagem antidemocrática.


SÓCRATES E A RETÓRICA
           
            Os principais órgãos de autogoverno eram a assembleia, onde se faziam as leis, e os tribunais, onde eram interpeladas e aplicadas. Os cidadãos, fossem eles a minoria ou a maioria da população, tinham de aprender a falar com clareza e argumentar afim de proteger seus próprios interesses, assim a necessidade de um bom uso da retórica fez cada vez mais necessário.
            O Sócrates descrito por Platão abomina a arte da retórica, adotando uma visão negativíssima da mesma, no Górgias, que para ele é uma atividade astuta e galharda (viril). Desprezava os comerciantes que frequentavam a assembleia, não admitia que poderiam contribuir com algo. Busca sempre enfatizar a incapacidade de autogoverno dos homens, pois não dominam o conhecimento necessário. Assim, é apresentado, mais uma vez, um Sócrates de ataca a todo momento a democracia.


O IDEAL DE VIDA: A TERCEIRA DIVERGÊNCIA SOCRÁTICA

Este capítulo apresente a terceira divergência básica entre Sócrates e os seus concidadãos, ele pregava e praticava a não-participação na vida política da cidade, porém os gregos acreditavam que os cidadãos se educavam e se aperfeiçoavam através de uma participação integral na vida e nos negócios da cidade, assim as virtudes ganham sentido quando são exercidas em comunidade; não há possibilidade de haver justiça em uma vida solitária.
Apresenta-se Sócrates como uma pessoa isenta diante das decisões ocorridas na Pólis no qual ele não se manifestava, vê-se nele um certo distanciamento: “Pode parecer estranho que eu circule por todo o canto a dar conselhos particulares, mas não me aventure a vir à assembleia para dar conselhos à cidade” (Stone, 1988, p.131). O dêmos  que ele desprezava tinha uma consciência para qual podia apelar, como na história de Diodoto, que conseguiu fazer com que a piedade prevalecesse mesmo diante de uma oposição do principal líder democrático da cidade, Cléon. Entretanto, Sócrates participa integralmente dos negócios da cidade, segundo a Apologia de Platão, no julgamento dos generais, pois ele enfatizava o agir com justiça, porém é apenas parte da atuação na cidade.


OS PRECONCEITOS DE SÓCRATES

             Sócrates mostra-se indiferente aos homens atenienses mais simples, que só se importam em ganhar dinheiro. Sua origem aparentemente pobre, gera dúvidas de como ele sustentava sua família não praticando nenhum ofício, porém há indícios de que ele tenha recebido herança de seu pai, pois lutou como hoplita, isto é, na infantaria pesada, onde os próprios atenienses arcavam com os custos dos equipamentos militares. Pode ser por isso que ele menospreza que é inferior socialmente a ele.
            É admirado por seu inconformismo, mas poucos se dão conta que ele se rebelava contra uma sociedade aberta e admirava uma sociedade fechada, como Creta e Esparta. Aristófanes personifica a imagem de Sócrates a de um espartano, pela sua maneira de vestir-se, comportar-se e pensar a política.
            Este capítulo frisa os “traços espartanos” nas ações de Sócrates afirmando que os jovens “laconômanos” de Atenas eram “socratizados”, ou seja, levados a pensar da mesma forma que ele. Sendo assim, propagava a campanha contra a liberdade e a democracia ateniense.




SEGUNDA PARTE:  A PROVAÇÃO

POR QUE ESPERARAM TANTO?

Este capítulo apresenta as diversas peças em que Sócrates era satirizado, como: As Nuvens e Konnos, dois teatros principais de comédia que levaram prêmios em um festival anual da cidade de Dionísina, terceiro e segundo lugar, respectivamente. Além da peça Os Pássaros, encenada 18 anos antes do julgamento de Sócrates. Estes pensamentos apresentados pelas comédias, mostravam que os concidadãos o consideravam um excêntrico, embora inteligente. Porém, as chamadas “comédias antigas” não foram os principais incentivos que levaram Sócrates ao julgamento, mesmo que pudesse gerar ódio para com ele.
Apesar das diferentes compreensões de deuses que Sócrates, Platão, Xenofonte entres outros e o cidadãos atenienses tinham, o que gerou, realmente, mal-estar entre Sócrates e seus concidadãos, foram suas ideias partidárias e não suas concepções filosóficas ou teológicas. Aparentemente ele desvia a atenção das questões mais relevantes, discutindo sobre religião.


OS TRÊS TERREMOTOS

“Em 411 e em 404, elementos descontentes, em conivência com o inimigo espartano, derrubaram a democracia e estabeleceram ditaduras, instaurando o terror. Em 401 a.C., apenas dois anos antes do julgamento, houve mais uma tentativa de golpe” (Stone, 1988, p.147), estes acontecimentos alarmantes, provavelmente, adiaram a queixa contra Sócrates que já demonstrava suas divergências partidárias.
Sócrates é acusado de participar de conspirações secretas que lutavam contra a democracia, “visam originalmente garantir a eleição de membros partidário oligárquico (...)” (Stone, 1988, p.149), mas uma vez busca salientar a capacidade que ele tinha de incentivar o desejo pelo governo antidemocrático, além dos fatos, como a catástrofe de Siracusa, favorecer outras conspirações dos aristocratas. Quando ele é levado ao julgamento, estas questões estavam presentes na memória do povo ateniense. Porém em sua defesa, encontrou argumento para conseguir provar que nem todos eram aristocratas antidemocráticos.
Diante destes conflitos ocorridos em 411, 404 e 401 esperava de Sócrates uma postura diferente, em relação ao governo da cidade, entretanto, ao que parece, ele não “aprendeu” nada com os fatos, considerado como alguém que vivia nas nuvens.


XENOFONTE, PLATÃO E OS TRÊS TERREMOTOS

Xenofonte e Platão eram adolescentes quando estabeleceu-se a ditadura dos Quatrocentos em 411 a. C.
Xenofonte no livro Memoráveis relata que Sócrates utilizou-se de uma de suas mais ilustres analogias para criticar a ditadura. Apesar das proibições e das críticas que ele sofrera por ensinar os jovens, sendo até proibido de utilizar-se da retórica, continuou sua missão, mesmo que em segredo, apesar dos Trinta estarem pressionando-o. Desde o início do regime, Sócrates não se manifestava efetivamente, no qual poderia ter se tornado um herói, porém ele estava apenas preocupado com as definições absolutas de Justiça, Piedade e etc. além disso, afirma Xenofonte que o próprio Sócrates foi vítima da ditadura.
Platão omitiu alguns pensamentos de Sócrates, como uma forma de conservá-lo das acusações feitas sobre seus pensamentos políticos, e também porque ele provavelmente entraria em contradição com aquilo que acreditava. Ele ainda escreve dois mitos antidemocratas como uma forma de colocar na classe média e nos pobres uma sensação de inferioridade, para assim, se submeterem aos reis-filósofos, que são: Atlântica e a Nobre mentira. Julga ter provado que o absolutismo é a única forma legítima de governo.


O PRINCIPAL ACUSADOR
O principal acusador de Sócrates e Ânito, apesar de não ser o mais famoso que no caso é Meleto, ele era quem realmente tinha peso, pois havia restaurado a democracia, além de Crítias ser a principal testemunha de acusação, no que diz respeito ao “corromper” a juventude. Ânito é um dos líderes ricos de classe que combate em favor da ditadura aristocrática estreita.
Tanto ele quanto Sócrates presavam muito pela formação dos jovens e acabaram gerando rinchas entre si, até mesmo por conta do próprio filho de Ânito, que o afasta com medo de que seja corrompido por pensamentos socráticos, sendo até capaz de fazer com que o filho voltasse contra seu próprio pai.
Este general de guerra do Peloponeso, homem influente, ganha algumas lendas cinco séculos após o julgamento de Sócrates. Segundo o autor, os atenienses com remorso voltaram-se contra os acusadores. Porém esta lenda não procede, pois nem Xenofonte e nem Platão escreveram nada a respeito disso.



COMO SÓCRATES FEZ TUDO PARA HOSTILIZAR O JÚRI

Xenofonte, que não estava presente no julgamento, insistiu com seu mestre para que este preparasse uma defesa eloquente, porque os júris eram influenciados pela retórica. O júri votava duas vezes. Na primeira a margem de diferença foi de 6%, ou seja, 280 votos a favor da morte e 220 contra, caso houvesse empate, 250 para cada lado, ele seria absolvido, porém Sócrates, ao que parece, queria morrer. Escreve Xenofonte: “ E enquanto a Sócrates, ao se exaltar perante o tribunal, ele granjeou má vontade e assegurou a própria condenação”, além de mencionar sua missão privilegiada pelo Oráculo de Delfos.
O fato de Sócrates estar decidido a morrer fica ainda mais claro na segunda parte do julgamento, tendo o condenado o réu, o júri não poderia escolher a pena, deixando a defesa escolher, mas ele recusou-se em escolher qualquer outra contraproposta. Mesmo com a insistência de Críton, ele nega a ir escolhendo a morte, que de uma forma ou outra, ia contra si mesmo. Mas para ele a morte é a realização final, levando a sério seu misticismo.


COMO SÓCRATES PODERIA FACILMENTE TER OBTIDO A ABSOLVIÇÃO

“Quando Atenas processou Sócrates, a cidade se traiu. O paradoxo, a vergonha do julgamento de Sócrates é o fato de uma cidade famosa pela liberdade de expressão (...)” (Stone, 1988, p.201), sendo considerado um julgamento de ideias. Este poderia ser um caminho no qual ele poderia ter se livrado da condenação, mas como vimos nos capítulos anteriores, parece que ele não quer ser absolvido.
A acusação feita a Sócrates referente ao ateísmo não tem um fundamento capaz de acusa-lo a pena de morte, pois, Aristófanes, em suas comédias, debochava dos deuses podendo também ser considerado um ateu, mas o povo ateniense ria de suas peças, dando a interpretação que a impiedade, heresia ou blasfêmia não causasse tanta intolerância neles. Entretanto, sua verdadeira acusação é pelo fato de ele não crer nos “deuses da cidade”, um crime político. Punir um filósofo por causa de suas opiniões certamente não era um modo adequado de honrar a deusa de Persuasão ou Zeus que simbolizava e promovia o debate livre.


O QUE SÓCRATES DEVERIA TER DITO
                                                                                       
Sócrates, em seu discurso diante do júri, poderia ter enfatizado a liberdade de expressão tão quista e defendida pela sociedade ateniense, porque, além disso, ele sendo filósofo estava sempre em busca de respostas, podendo mudar frequentemente seus pensamentos e conceitos, sendo ainda mais necessário a possibilidade de expressar-se livremente.
Ele conclui acusando Ânito de impor a “lei do silêncio” a uma cidade que tinha a liberdade de expressão como fonte de vida. Se Sócrates tivesse recorrido a este tema tão aderido pelos cidadãos atenienses, seria provável que adquiriria respeito por Atenas, e a não a condescendência irônica.
“O que caracteriza a verdadeira liberdade de expressão não é o fato de o dito ou o ensinamento conformar-se a qualquer norma ou governante, seja este um indivíduo ou um colégio (...) A liberdade de discordar é que é a liberdade de expressão”. (Stone, 1988, p. 216), afirma Sócrates.



AS QUATRO PALAVRAS

As palavras usadas denominam o próprio pensamento do indivíduo, por isso o capítulo examina as palavras empregadas pelos homens da época. Descobre-se, então, quatro denominações para a liberdade de expressão, mostrando que o valor que o povo grego dava a isto.
Primeiramente a igualdade política baseava-se no direito de livre expressão, que é representada por duas palavras que contém o termo isos (igual), a saber: isonomia (isonomia), mesmo sentido em português e isotes (igualdade). Além dessas, outras que designam o direito de se exprimir livremente: isegoria e isologia.
Isologia aparece no século III na qual “vigorava em sua assembleia federal, como símbolo de garantia de que as cidades-estados membros tinham plena igualdade política” (Stone, 1988, p.219). Já a palavra isegoria e apresentada por Heródoto quando discorre o papel heroico desempenhado pelos atenienses nas guerras contra os persas, atribuindo sua bravura à conquista de isegoria, ou seja, direito de todos se manifestarem igualmente em assembleia.
Outra palavra que designa liberdade de pensamento em grego é parrhesia, que aparece pela primeira vez em Eurípides, trata-se de uma palavra cunhada de dois sentidos: um deles era a pessoal: franqueza, sinceridade; o outro era político: liberdade de expressão.


A QUESTÃO FINAL

Sócrates poderia ter argumentado que as Leis rompiam o contrato, exigindo a liberdade de expressão, o cidadão não lhe devia mais nenhuma obrigação. “Ao perder o direito de persuadir, ele ganhava o direito de resistir” (Stone, 1988, p.229), ou seja, que as Leis negaram a ele tal liberdade. Entretanto, nem Platão e nem Xenofonte mencionam, em seus escritos, ao referente a este conceito, apontando que para Sócrates isto não teria tanta importância assim.
Ele não defende a liberdade, pois não vê sentido em um escravo ter o mesmo “valor” de expressão que o seu dono que pagou por ele. Talvez seja porque no fundo não aceite a democracia, assim não queria que a democracia obtivesse uma vitória libertando-o, fazendo de tudo para que fosse condenado, seja não se defender ou atacar o júri.


EPÍLOGO
TERIA HAVIDO UMA CAÇA ÀS BRUXAS EM ATENAS?

            A idade de ouro ateniense também se caracterizou pelo banimento de estudiosos, como Protágoras, Anaxágoras, Diágoras, além da repressão do pensamento e na queima de livros. Sócrates poderia ter seguido o mesmo caminho aceitando a pena de banimento, mas preferiu ficar e tomar cicuta.
            A peça feita por Plutarco, a Vida de Péricles, causou polêmica ao satirizar a lei que proibia não acreditar no sobrenatural e ensinar astronomia, lei que teria sido proposta por Diopites, que constituía em uma exceção gritante à legislação e às tradições atenienses. Reforçando mais ainda a rigidez deste período. Além disso, escreveu a Vida de Nícias mostrando o quanto o povo ateniense era supersticioso. Por isso, gera dúvidas a respeito das condenações de Protágoras e Anaxágoras, pois, estes filósofos estudavam sobre a astronomia, mas não há certeza a respeito de suas condenações.
SÓCRATES: HERÓI OU BANDIDO?

            Considera-se Sócrates como um dos maiores personagens da história, por tudo que contribuiu em seus ensinamentos. É, pois, representado de diferentes visões, seja de maneira mitificada, como é apresentado por Platão, “reduzida” como diz Xenofonte, ou demasiado cômico e ridicularizado, como Aristófanes o descreve.
            Havia divergências entre Sócrates e a Pólis, uma delas era a respeito à “duas questões que para Sócrates- mas não para sua cidade- estavam inextricavelmente associadas: o que era a Virtude? (...) isso levantava a segunda pergunta: o que é o conhecimento? ” (Stone, 1988, p.54). Seus ideais entravam em conflito com a situação atual de Atenas, em que, muitas vezes sua intenção era ridicularizar a democracia, porque ele acreditava em outro ideal de governo, a aristocracia. Entretanto, muitas vezes é ele que se torna ridículo perante suas colocações, apresentando uma maneira arrogante no falar, principalmente quando trata-se da suposta missão recebida pelo oráculo de Delfos, que o definiu como o mais sábio de todos os homens.
            Ele é admirado por seu inconformismo, ou seja, busca constantemente responder da melhor forma aos problemas apresentados, mas poucos se dão conta que ele se rebelava contra uma sociedade aberta e admirava uma sociedade fechada, como Creta e Esparta. “Aristófanes personifica a imagem de Sócrates a de um espartano, pela sua maneira de vestir-se, comportar-se e pensar a política” (Stone, 1988, p.132).
            As acusações na qual Sócrates recebeu e foi condenado à morte, pode, em primeiro momento, dar a intenção de haver injustiça para com ele, porém seus ideais divergiam das de seus concidadãos, que também visavam o bem da Pólis, fazendo com que ele parecesse um rebelde que lutava contra a democracia, e de fato o era, mas buscava o bem comum. Segundo Platão, “seu herói viveu e morreu de acordo com seus princípios” (Stone, 1988, p.233), acreditando que aquilo que ele propunha era o essencial.
            Em contrapartida, “ele não iria querer que a democracia por ele rejeitada obtivesse uma vitória moral- libertando-o da prisão” (Stone, 1988, p.233), então reluta para não ser libertado, não acatando nenhuma outra possibilidade de condenação, como a exclusão da cidade, ou o pagamento de fiança. Ele não se justifica, pelo contrário, enfrenta o júri de modo sarcástico, pois, como um mestre da retórica poderia convencê-los a libertá-lo.
            Assim, não cabe culpa-lo ou condená-lo diante dos pressupostos apresentados, pois ele como um cidadão tinha o direito da liberdade de expressão, mas também o compromisso com a Pólis visando o bem comum. Seja incompreendido, ou não, precisava caminhar ao lado de seus concidadãos.

                                                                

CONCLUSÃO

            É notório que a priori entenda-se o julgamento feito a Sócrates de forma injusta como sendo a penal capital, mera incoerência. Entretanto há possibilidades de questionamentos a respeito de uma mitificação em torno dele, que pode ter sido um gênio, um subversor ou nenhuma das duas coisas, ou apenas mais um homem como qualquer um, incomparável a qualquer um outro.
            Seus ideias diversos dos que eram apresentados, obtiveram suas consequências que foi o julgamento, onde poderia ter evitado a morte, porém comprometido com a verdade que ele apresentava, não quis evita-la, não fazendo-o um herói, ou um bandido, mas um personagem histórico que deixou marcas profundas na filosofia e em outras diversas áreas.